domingo, 6 de novembro de 2011

Pas marché I

Assombrado, General Flores descobriu que, dali em diante, seus passos pelas ruas jamais poderiam ser os mesmos de tantos anos e de tanto uso. Notou que, se tropeçasse, faria tremer as raízes centenárias das árvores do bairro, os tanques de guerra da cidade, os tratados comercias do país.

As donzelas, enfeitiçadas, sentiam o movimento brusco das coxas monumentais, transtornando a direção dos ventos, erguer cada prega de suas saias, desde a cauda, cada sobretúnica, cada corpete.

Os senhores de tatuagens e barbas ruivas, muito viris e honrados, sim senhor, fugaz não se acomodavam a seus apetites.

Aos anciãos, causava repúdio a vitalidade daqueles passos. Aos miúdos, temor. Não dormiriam aquela noite: alguns, apavorados com a possiblidade dos passos alcançarem seus quartos; outros, receosos de que não deparassem outra vez, em vida, com passos tais que pudessem seguir até onde fossem.

O estouro da manada refrearia sua explosão alucinada, caso se pusesse em seu caminho, naquele dia.

Nuvens teriam anegralhado o céu para a tempestade, caso se atrevessem a permanecer sobre a certeza intolerável daqueles passos.

As folhas pesadas do outono se precipitavam desejando mais que tudo serem trituradas por aqueles pés indiferentes.

Passos sem pressa nem preguiça:
Nem em falso nem passo a passo.
Nem passo o ponto nem ao passo que.
Nem básico nem avançado.
Nem paço nem compasso.
Nem Passo Fundo nem de rosca.
Nem escoteiro nem escuro.
Nem andante nem allegro.
Nem ida à labuta nem volta ao lar.
Nem marcha nem ballet.

Passos, sim, de quem fez, do mundo, o próprio quarto.
Porque fizera, de alguns dois olhos castanhos bem escuros, o abajur.

(Gustavo de Paula)

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