domingo, 28 de outubro de 2012

Brown-eyed girl

batom vermelho nos lábios 
convidativos
cabelo repicado modernoso
a força de canções ditadas por tempos difíceis

a cada momento ela
tenta

e
quase-se
consegue

o perfume ascende ao galho mais alto da árvore que se curva para, te cheirando, colher o teu cantar

E na voz, ainda o "baby"
Ainda não "meu bem"

Brown-eyed girl 
Vem correr perigo

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Natureza viva (ou paisagem)

Poema sobre fotografia (15x13)
no mesmo horizonte
a natureza se duplica
vermelho sobre cinza,
o rosto virado ao mar
o olhar que não ignora,
já esnoba
na pose no retrato
já não há medo,

vermelho sobre cinza,
peito aberto
devastadora onda
revolvendo leitos
lançando aos rochedos frotas inteiras

(vermelho sobre cinza)
a um breve leve toque
suave o sal sossega
se adoça
se acanha
e banha
a praia dos pés

onde a natureza se duplica
te sobressais
e sobre os sais
vermelho sobre cinza
posas ao retrato do infinito

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Do mar

Um traço de rosto familiar é estrela suficiente
nau sobre as águas
nuas
nada

tracejando a superfície
espalhada
à suavidade noturna
nua
nada

conto estrelas
guio estrelas
para encontrar-te à chegada
nua
nado

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

líquidos perfumes

Sereia com asas
cantava profundezas
flertar com Hades
para
desposar Poseidon
causar a discórdia no de dentro do mundo

No trato com zéfiro
percorrer a superfícies das águas
espalhando doces perfumes
espelhando uma dança com Narciso
separando-se de Poseidon
salivando o celebrado e irresistível canto

O paladar aguçado para os gostos da vida
o toque de cetim na palavra que quase repousa sobre a língua

Pedras, rochas e areia
Tornava tudo tão seu

uma profusão de palavras
vogais
consoantes e separações
silábicas
arque-
-estradas para um bem diferente
destino

Nas asas
a sereia bailava
Nas águas,
se encantava
Na terra,
pérola
aos porcos

terça-feira, 28 de agosto de 2012

COTIDIANO II

A cada dia
dia após dia
eu me repito
de uma forma
ex-at-am-en-te
igual:
historia mal contada
piada de mal gosto
um final repetido
por amor às causas
todas elas
perdidas

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Minha roma

Incendeio a cidade com os sóis das constelações do teu corpo
Nero, com a lira na ponta dos dedos
vejo queimar
ouço os gritos
vejo os corpos se retorcerem consumidos

Olha pra baixo e vejo as estrelas
e nas estrelas me atiro
lambo os sóis que despontam no universo
e neles me afogo, me curo e incendeio
a cidade
concreta
derrete

terça-feira, 31 de julho de 2012

SUPERFÍCIE

Chega em casa
e relaxa
de vagar

descalço já
procura
o espelho mais próximo
te contempla
uns instantes
inveja
aquele que te olha

mas não por muito...

atira-o ao chão
sem mais pesar
caminha sobre ele
deixe-o a tuas imagens e semelhanças
desenhadas
impressas
em vermelho tudo fica tão bonito

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Quando ela passa

Sugiro o sorriso de Mona Lisa
assim mesmo, de leve,
e sorrio, um pouco demais.

Do outro lado, ela enlouquece
faísca de raiva, uma raiva bege que ferve sobre sua pele negra e bonita.

Do lado de cá, o sorriso diminui,
agora sim, Mona Lisa!

Atravesso a avenida e, do canteiro central,
me volto
a tempo
de ver a expressão atenuar-se num insulto do olhar
meio de lado, mas sempre superior.

Contento-me com o horizonte,
concreto,
onde aquelas asas batem
asas negras
que de todo me abraçarão no sonho
do outro lado da avenida.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

e é um nome,
estranho nome.
deus?
deusa?
- veja,
a questão não está, deveras, no nome,
mas na indelével graphia com que me gravas
nos incólumes muros da tua cidade.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Na ponte

Lá do fundo do abismo
onde beira a incerteza
na calada da vertigem
a secreta correnteza

O espelho d'água dos teus olhos iluminados
de profunda escuridão
desabam
avalanche no verso em construção

lá do fundo do abismo
onde beira a incerteza
na calada da vertigem
a secreta correnteza

O convite dos teus olhos iluminados
de profunda escuridão
desabam
avalanche no homem em construção

lá do fundo do abismo
onde beira a incerteza
na calada da vertigem
a secreta correnteza

O grito dos teus olhos iluminados
de profunda escuridão
desabam
convites aos meus olhos em construção

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Num hiato da palavra
num abismo do som
num vácuo vocal
consoante muda
dissonante
hora H
bomba H

sábado, 23 de junho de 2012

uma noite

navalha cega debaixo da pele
navega solta do cerne da carne
viaja sedenta em busca do gozo
deságua ardente no pulso da noite

risada larga de dentes mordidos
fumaça sujando de leve o horizonte
obscura paisagem derrete de leve
revela seu brilho diante do luar

ainda sangrando a noite descalça
esmaga no asfalto os últimos sonhos
rasga na carne os últimos desejos
cabendo inteira na palma da mão

quinta-feira, 14 de junho de 2012

FIM DE TARDE

a língua toca a calçada
na chuva,
lixa sangrando as papilas gustativas
num vigor de moço jovem que ainda sou.
espero um gozo enternecido
um vão.

mordo o concreto,
ela não geme;
cravo as unhas no asfalto,
ela não se arrepia;
penetro a boca de lobo,
ela não me dá prazer.

resta uma raiva sulfurosa,
uma úlcera de adormecer ao gosto do café
e vê-la toda disposta:
lânguida vertical pernas abertas,
invaginando a todos.
ninguém sai incólume

sábado, 5 de maio de 2012

do tempo

o tempo
nessa cidade
é estranho

quando se tem
todas
as horas
passam
perigosas

terça-feira, 1 de maio de 2012

do travesseiro

como seriam todos os dias
não dias fossem o que são?
dias

dia a dia
dia após dia
dia após o outro

esse outro que ergo
com a força das pálpebras
outro que não posso ter
dia que não acontece

segunda-feira, 30 de abril de 2012

sujo III

os cabelos acariciados pelo correr das tuas águas
musgo
me esverdeio
de boca aberta
saliva no cio
mas as bocas de lobo é que te engolirão

sujo II

tenho sede
lambo a sarjeta em busca de chuva
à procura do corpo líquido que se desfaz ao toque da minha língua
ao avesso

domingo, 29 de abril de 2012

sujo

Desmundos desabam.
Que me inundem
imundícies
daquelas não ditas por aqui.
E que a ti também te tinjam.
De lodo te cubram
e te enlacem líquidas a escorrer pelo teu corpo.
É na sujeira que te faço homem
que te faço mulher
e
que me afogo
em sonhos cristalinos.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

diário

com o estômago dissolvido em café
o chiclete na boca o mantém acordado
o som das teclas é nauseante
o desenho das letras que pululam na tela é repugnante

de próprio punho
esmurra a faca
desejando antes fosse espelho
ou reflexo

mas nenhum
ou ambos

ou triplos esforços
e ele se senta
na mesma cadeira

segunda-feira, 9 de abril de 2012

o reino

da masmorra
a condenação da princesa não parecia ruim
mas dá
uma vontade
de chamá-la
pro lado de cá
onde os delatores não a alcançarão
e onde

se entra
com as unhas

(biel)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

caminhada

Tenho pernas grandes
não corro atrás de bola
tenho pés ligeiros
não danço.
Tenho passos largos
Degraus,
de dois em dois
como tudo deve ser.
Mas algumas escadas insistem,
para meu desespero
e para o sarcasmo no sorriso do canto das bocas de engenheiros
e arquitetos,
que desenham e executam
sempre
um número ímpar de degraus e
me encurtam o último
e decisivo passo da chegada.

(biel)

liberdade

dois quilômetros
pé na porta
dezesseis tiros no peito
e a impossibilidade de salvá-la do estupro não tão inevitável de que gozava.

(biel)