segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

arte poética

perfume aprisionado na brisa fria da manhã
sonhando em prados sem fim
planícies extremas de planaltos centrais.

Não pode ser a liberdade
não para mim
mas você que respira
que sente frio
e que passeia...

...talvez num breve momento de quase
escape um milésimo de centímetro
e escute uma canção diferente.

(biel)

dias de festa

arrumamos a casa
perdemos um, dois, três dias na arrumação
e depois de tanto esforço, estamos cansados!

chegam os convidados e um milagre
nos animamos.

depos perdemos mais um, dois dias arrumando.
e é assim o nosso ano.

mas esse poema deveria ser lido ao contrário.

(biel)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Excerto de relatório de estágio - Dezembro de 2009

Camila: - Professora, posso ir beber água?
Diane: - Não.
Camila: Mas estou com sede.
Diane: Guarde-a com carinho, pois ela é o que você tem de mais precioso.

Ou

Geovanni: - Posso ir beber água?
Diane: - Não.
Geovanni: - Mas você não pode deixar os alunos com sede!
Diane: - Desconfie de todos que matam sua sede.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Excerto de relatório de estágio - Epístola de uma discípula a seu mestre - Setembro de 2009

O GUTASVO É GOTOZO
O GUTASVO E LIDO
O GUSTASVO MUTO GOTOZO
OBRIGADO
BEATRIZ

Excerto de relatório de estágio - Agosto de 2009

Gabriel: - Eu gosto de arrancar dente, sabia?
Eu: - Você é um dentista, então?
Gabriel: Você sabia que não é a fada-do-dente que traz o dinheiro? É a mãe...
Eu: - Magina! Como assim? E quando não se tem mãe? É a fada, sim!
Marco: - Quando ele crescer, vai virar fada-do-dente.
Gabriel: - Ah, se eu fosse, era pequeno. Estaria em escondido em seus cabelos (apontando para os meus).
Marco: - Ou nessa barba, então!
Gabriel: - Imagina quanta fada-do-dente não têm nesta barba.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Excerto de relatório de estágio - Dezembro de 2009

- Professor, qual o seu morto preferido?

Fragmentos de um diálogo amoroso

L. (30/11/2009) diz: - Ah, eu acho que você ainda é garoto... ainda um pouco imaturo... Não pelas coisas que você diz, que você pensa e que você sente, mas pelas experiências mesmas de vida...
A coordenadora A.C. (01/12/2009) diz: - Nossa, Gustavo, você fica bem de verde!

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L. diz: - Ah, mas você tem uma coisa que eu acho legal, que é a sensibilidade poética. (...) Ainda não muito na sua fala, mas já na sua escrita.
O professor J.A.H. diz: - Um dia, assaltaram minha casa. Amarraram minha esposa, meus filhos e a mim mesmo. Me amarraram ao pé da escada que fica na minha biblioteca. Comecei a rir. Vieram me bater. Perguntaram gritando: "Você está rindo da minha cara?". Respondi que não, que "jamais iria rir do senhor, estou rindo de uma piada pessoal mesmo". Bem a minha frente, na estante, estava o livro de Jean-Paul Sartre: "O que pode a literatura?"

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L. diz: - É que nossas vidas são muito diferentes, nossas experiências foram outras.
L. dissera, há uns 20 minutos atrás: - Ainda não sei direito, porque estou namorando com um cara que tá mudando de pátria, que tá mudando de língua, que tá longe da família.

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O artista C.V. diz: - Se você tem uma idéia incrível, é melhor escrever um post; está provado que só é possível namorar em alemão.

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L. diz: - Eu não acredito em relacionamentos.
O personagem conceitual Z., do filósofo alemão F.N., diz: - A mim, a fé não me beatifica. Muito menos, a fé em mim.

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L. diz: - Isso não me comove.

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Os professores do Sul T.T.S. e S.M.C. dizem: - Advogar, em vez disso, o dissenso inconciliável, a diferença irredutível, o desencontro irremediável, a comunicação impossível.

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L. diz: - Os homens sempre falam isso - e podem até ser sinceros quando dizem -, mas depois acabam desistindo. - Muitas coisas, depois de um tempo, ficam previsíveis.

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Mais uma vez, os professores T.T.S. e S.M.C. dizem: - Toda continuidade é apenas o efeito de uma interpretação após o fato. O que temos, em vez disso, são falhas, quebras, hesitações, movimentos inesperados, arranques e paradas abruptas. Não uma lógica, nem uma teleologia, mas o movimento errático do acaso.

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L. diz. Não diz. Prefiro excluir esta fala, em minha edição cafajeste.

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A professora de História diz: - Nazismo é uma política e uma ética herdadas da Alemanha.

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O professor carioca L.A.B. diz: - O modo de vida fascista elimina o susto e o arrebatamento.

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O poeta P.L. diz: Só doer não é dor/ Delícia de experimentador.

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A escritora dentre as escritoras, C.L., na voz de M., diz: - Eu me dôo o tempo todo.

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Engrossando o caldo da Introdução à vida não-fascista, o professor da FEUSP J.G.A. diz: - Não enxergue, no outro, a carência, a falta, nem o exótico, nem o excêntrico.

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Eu, G.H.G, digo: - Eu escrevo, porque me dói. Uma dor alegre, se quiserem. Mas ainda dor. Cavalar. Claro que escrever não é remédio, não cura a dor, não assopra a ferida. Isso não, por favor! Mas é menos miserável, me parece, do que esta vida indigna que foi, e que é, e que vai ser até o fim. Escrevo pela grandeza do que pode ser. Pela grandeza do que não sei.

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Ainda o professor J.G.A. diz: - Não fale pelo outro. E editar também é falar pelo outro.

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Xi...

(Gu)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Teresa II

a quarta vez que vi Teresa
achei que eu era um estúpido

a quinta vez que vi Teresa
achei que tinha olhos de ressaca
sem saber que o mar se derramava dos meus

a sexta vez que vi Teresa
minha conta bancária uniu-se à dela
e eu fiquei sem um centavo a pairar pelas ruas.


(biel)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

içando as velas

o velho lobo do mar
do alto da laje
navega
entra as fumaças dos carros das ruas e avenidas no horizonte
resmunga consigo alguns impropérios
e sonha sempre quando suspira
ao longe
"terra à vista"

(biel)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

da manhã

(ao som de amy winehouse)

o dia todo
maquinando,
engrenagem
trabalhando.

torcendo a cabeça
entre trocos e trocas
sem ao menos nela pensar

os amigos,
no bar a cerveja
o aguarda. a sexta-feira.
a noite inteira.

mas na manhã
tudo, de saída, entorta:
acorda: sozinho.

(biel)

domingo, 6 de setembro de 2009

cicatriz

o sol era ainda uma promessa
tanto quanto as quebradas
copos numa mesa de bar

mas ele insiste em nascer
pra salgar a ferida
e, de leve, aquecer.

(biel)

oração

se plantou boas sementes
que lhe dê tempo de colher os frutos.
se foi mal,
que lhe dê tempo de se redimir.
se foi eu,
que contem estórias.

(biel)

um rosto

à noite,
quando tenho medo de morrer, é o teu nome
não o teu rosto
que me faz sonhar.

(biel)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Ao som de seu jorge

uma semente dança
desestabiliza
como se sua raiz fosse ventania
é a guerra civíl do ser
enquanto dançam as pétalas que não vou ver desabrochar.

passado um tempo
sorrio longe, mas longamente:
no meu jardim, mais alegre,
me sorri de volta uma margarida.



(biel)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

DIANILINA E O NÔIVO

(singelinha homenagem ao Guimarães Rosa e à sua cidade: Cordisburgo)

Era que agora, morena, raiava na igreja. Há muito, de esticado, que esperavam-na. O nôivo, então! Erigira-a, ele mesmo, a igreja que ora acenariava.
Mas erigira-a no tempo do Ronca, no mais-que-perfeito, no Monte de Constança, no esquecido de Seu Alfredão das Astúcias. Com mero esmero.
Toninho Sozinho agradou de Dianilina, quando as vistas suas toparam com o encantamento do rostinho dela amoldurado na janela de um carro – sua graça, contudo, que se exponha, era Toninho Souza, para a certidão das mães e das sinas . E jacaré viu o tal do carro? Nem ninguém que não ele. Esparramara-se, a canino miúdo, a parvoíce sandia.
Quem jamais tivera cuidados de pedreiro, arrolou betoneira semi-fixa, cal hidrada, cimento, aglom errante, água benta, cinzas vulcânicas de la cittá dell’amore: Venezia, clínquer, areia de quartzo natural extraída do Tigre e do Eufrates, tijolos maciço, tosco, furado, holandês, flutuante e refratário, e toda a construção de avemaria, nem gorda nem magra nem insossa, para construir uma igreja. Se era beatice? Beatitude, só se. Pois que “o que é o que é... um ateu danado de fazer igreja?” Nem redenção fosse. Quando dava de bater badalo, segredava luminoso: haveria de servir para seu casamento com a morena. Mas causo de quê casar numa igreja desprovido de fé na bênção de Deus? A morena cria. Só ladeava seu coração mediante aquele Um. O que fazer? Causo de quê, então, erigir uma igreja, em havendo quantas pelo Monte? Uai, sô, era o que parlava. Por cada tijolo salpicava aquele sossoriso. Aquele, visalumbrado no supetão do carro.
Como que podia bracinhos tão minguados aquele tanto? Toninho Sozinho elucidava era que o amor é um polvo arretado na robustez. Ainda que a gente interrogue: se o amor era pedreiro de Toninho ou se Toninho era pedreiro do amor?
A desmedida aziada é que assombrou: Seu Alfredão das Astúcias, ainda marido da morena, alembrou-se de nosso Monte, recheado de uma saudade marvada, e travessou serras léguas, a fim de poisar por estas bandas.
Qual não foi o estarrecimento de todos vizinhos averiguando a sabedoria esquisita de Toninho Sozinho. Ex-terracimento, quando este gigagiante tomou o monte, escondendo o Sol nas suas costas, semeando as trevas medonhas. Arribaram.
Como palmilhasse a passos prestos prestes, a fome sacudiu o estendido sertão do bucho de Seu Alfredão. Tanto mais! alcançou-lhe as narigas colossais o perfume de sua morena, inventado nos tijolinhos da igreja de Toninho Sozinho. A salivar, devorou a seco o primeiro caco de telha, o segundo, o terceiro... e quede nôivo? Pode ser que camuflado esperto ainda nos derradeiros. A delícia desusada do calcário, porém, fazia acelerar voragem. Mais e mais e menos e menos tijolo. Que é do nôivo?
Ufa que se tinha destinado, dias antes sem prévias, à Cordisburgo, rumo à colheita de rosa uma única. Partira com suas alpercatas e a lembrança ligeira amada. Era julho, a estória cumpria metade. Os tucanos, em plumagem alvinegra, guiavam. Seu bico de refazer a vereda do sol, partindo das claridades amarelas, carregando, vagar, laránejos aprumos, retesando tudo em largo arco, despencando, por fim, em foco negro, como o processo invertido do café, legendando, tão súbito, o tempo, que passava lépido piado, rolando em cada pedrinha sertaneja. A rosa em atacada florescência concluiria o altar. Rosa Rosa é que servia, sem porventuras.
Cada qual sorria mais ímpar, aperfeiçoada, querendo ser colhida e dar passagem a um casamento desses. Colhidas todas, foi-se de rosa até os dentes de volta para o Monte, atentando os estercos de tucano pelo caminho, para não se perder. E, alarmado, desviando o olhar das fremosas donzelas cordisburguenses, evitando perdições.
As sépalas e pétalas roseanas arrepiaram à devastação. Não restasse uma sombra. Sequer de grama crescida. Tudo do Monte levado na pezada. Desfiado, esfiapado, esfiampado. ¿Como entretecer o mundo em sete dias, havendo mais três pro fim? Oh, excomungado, com os seiscentos milhões de diabos! filho de uma cadela e seiscentos mil cães! infeliz das costa oca! marmota da bexiga livre! fariseu duma figa! - esconjurava. O estertor galopa a inequívocos estribos. Sem rumo, desarrumado, assustou o nôivo o insólito design em lágrima de um rio. Se não haveria de ser assim!
Pois tratou de convocar, em outras paragens, um casal pra lá de apaixonado, que repletaria o Monte de criançitas. A caminho, tropeçou em Barbacena, quando atinou afugentar os biloladinhos do manicômio. Adiante, os cangaceiros de um presídio. Todos seus conterrâneos, agora. Mas caçava ainda sem êxito um casal phoderoso nas venturas apaixonadas. Candeeiro aceso: pronto: passara pela janela em que um amante desadormecia, apenas contemplava sua amada. Porém sucedeu que, durante as próximas duas noites, insistia em velar exclusivo o sono da amada, sem conceder tréguas às próprias pestanas! Curioso o nôivo, não obstante a indiscrição, inquiriu o amante, ao que ele respondeu: Era uma vez a hora de dormir... Dormi meu estoque, enquanto não surgia a Bem-Amada, pois sabia que, fosse ela alumbrar, para convir sentinela e contemplação diuturna de seu sono e de sua vigília... Como julgasse amor o justo-adequado, o nôivo concedeu-lhes, aos amantes, trono-mor de seu reinozinho. Não sem antes, claro, projetar a escala da urbe, calcular o zoneamento e a organização físico-territorial das atividades no espaço de decisões centralizadas, edificando choupanas, casebres, chalés, armazéns rococó, em caramujos e caracóis – mímesis ondulantes só das madeixas negras da morena – palácios de pau-a-pique, jardins bizantinos, pastos góticos, hortas fartas e, por fim, nítido, a igrejinha inda mais encantada do que outrora, lançando mão (calejada) das artes pedreiras.
As crianças principiavam nascimento, os bois satisfaziam-se nas abundâncias, os cavalos árabes já vinham gozar turismo, passarinhos de toda sorte orquestravam melodias, freteniam frótolas, aquarelavam novos céus; proseava-se com Romeu Julieta Dante Alighieri Beatrice Eros Psichê Tristão Isolda Safo Riobaldo Diadorim Don Juan Orfeu Eurídice Kama, o deus do amor, Deus (existia muito Deus pelo Monte, visse! cada um com Vossa letra maiúscula!), mas também coçava-se cabelo, salvaguardavam-se óculos na geladeiras, lápis, no açucareiro, estapeavam-se a si mesmos e entre si, entretanto nunca à vera raiva, as vassouras logravam motores, flores aconselhavam e assim...
Enquanto isso, Seu Alfredão das Astúcias havia crescido tanto que repousava o cocuruto nas nuvens mais baixas, quando da fadiga. Naquelas alturas, como que se vigiaria a presença da esposa? E como que a esposa continuava esposa, há remotos palmos? Infeliz, Dianilina cascara fora há uns tempos. Desolada, porém. Sem quem. Desasida. Abandonara o lar vestida de nôiva, desrazoável.
Não adivinhava que um Monte inteiro a aguardava, ávido. Caminhou sem eira nem estribeira. Auspício era, sapientes de seu gosto por uvas, os moradores do Monte espalharem refeição frugal aos montes perfazendo o caminho inté a igrejinha, então, pronta.
Ave.
Ela se aproximava, em passos altaneiros, como soubesse que cada seu passo moreno era um acontecimento, um milagrezinho, e que deveria, portanto, acontecer sempre de repente e sempre vagarosamente, para poder ocupar cada pedaço do coração.
Comoção estacada. Ninguém supunha, em seus mais encantados sonhos, uma beleza assim vasta e solene. O vestido branco translúcido. Raios solares rendiam homenagens à delicadeza de cada curvinha perseverante. Os pezinhos, cujo dedo ao lado do dedão e o próprio tinham mesmo tamanho, acarinhavam as pétalas e sépalas roseanas, enfim, sossegadas. As túrgidas pernas mais belas que as colunas da ordem coríntia do século V a.C. A leve colininha da barriga, agora alimentada, relevava pura luz. Tempo nenhum fora capaz de derribar a altivez tanto noturna quanto rotunda dos. Seios. Maravilhal!
Os músicos, aluados, deixaram escapar os instrumentos. Os presentes, de pé por mesura, tombaram nas almofadas das cadeiras. A derradeira uvinha, na mão do nôivo tremendo, grisalho, ameaçou cair, mas foi salva por um reflexo instantâneo. A nôiva seguia para o sem-fim, à beira do altar. Seguia, seguida da cidade súdita súbita, sem sombra, subalar – dia-a-dianelindamente.

(Gu)

segunda-feira, 27 de julho de 2009

andanças

caminho de costas
mas não pra trás

(biel)

terça-feira, 21 de julho de 2009

impossibilidade

ah, como os amantes são prolixos
se fossem como a poesia
não falavam
a poesia não fala
entrega na bandeja
dourada de desejo
o calor sem precedentes
daquele beijo
que não aconteceu

impossível halo de virgem
na casa amarela
onde sem ela
sonhamos amá-la
e suamos as febres
do calor sem precedentes
daquele beijo
que não aconteceu

não fossem prolixos
poetavam
em páginas douradas
os sorrisos suaves e felizes
de quem nunca amou.


(biel)

terça-feira, 30 de junho de 2009

polegares opositores

o encontro no outro
é exatamente o que se busca
pra si.

os pólos são
de maneira oposta
contraversos

quando não temos somos forçados
a dar

tão simplesmente e exatamente
assim
amamos

mas o fim
sempre reserva uma saudade
do que ainda não provamos
e nos julgamos felizes.

(biel)

segunda-feira, 29 de junho de 2009

(...)

o deus da madrugada
não impede
a alvorada

é primavera no meu céu.

(biel)

quarta-feira, 24 de junho de 2009

em busca do tempo

as horas perdidas
são apenas
tão somente
aquelas em que não sonhando
dormimos.

(biel)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

sou mas eu

(Gu)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

anoiteceu

é na lembrança,
na memória.
me vem de leve
e leva
você.

num outro mundo
na morada
da infância
eu gosto mais
de você.

e nesse ponto
passo de pardal
à bem-te-vi
sem ver,
ao menos,
você.

mas ensaio pro futuro
suave e noturno
o vôo dentro da noite
de mãos dadas
com você.

(biel)

sábado, 9 de maio de 2009

com fúria amorosa, ó árvore,
é que firo tua pele,
com facão, navalha, gume,
sabre, punhal, canivete

violento teu caule duro,
e áspero, e rude, e grosseiro,
incisindo o nomezinho
tatuado no meu peito

teus vasos liberianos
assassino-os, covarde,
na tua pele que não corre,
não chora ou grita, nem quase

eu vos sacrifico apenas
com esta caneta fria
no altar cruento
da página de Poesia.

(Gu)

Cântico

Então que, ao pé de uma arvrinha,
Nascia amor radicoso.
Seu seio luciluzia
A clarividência zen:
A alma desperta e além.
Nos meus lábios, doce fruta
Divulgava vida arguta.
- O orvalho assim licoroso.

(Gu)
Ó, nossa irmã cativa, tens razão
Pois se laçam sem voz, em himeneus,
Nossas raízes fundas sob o chão.

Teus galhos fazem cócegas em Deus.
Tuas raízes, cafuné no Diabo.
Mas são terrenos os domínios teus.

- Dançai-nos e cantai-nos, ventos fados...

(Gu)

Excerto de relatório de estágio - Abril de 2009 - Cronilógico

- Vou fazer aniversário na terça que vem.
- Nossa! Que bom! Quantos anos você vai fazer?
- Vinte e três.
- Você não tem vergonha? Devia fazer uns quarenta... quarenta e pouco...

(Gu)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

breve poema sonoro com um título imenso para se pensar a vida

sábios?
são os pássaros que não erram a hora de cantar
nós é que nos confundimos
com a hora de ouvir.
tenho certeza
que era
naquele momento
um Bem-te-vi.

(biel)

quarta-feira, 22 de abril de 2009

alívio nada imediato

Sair do inicial desespero inicia um ânimo novo. Era como se lhe soltassem as asas, encarnadas de sangue e marcas a ferro quente. Ainda havia dor, ainda não poderia voar por tempos, mas tinha já as asas livres. Embora não reparasse na corrente sinuosa que escorria de seu tornozelo sabia ainda estar longe de poder voar, não sabia estar a uma distância quase impossível. Como quisera sonhar com esse dia, mas antes que nascesse o dia o sonho e o sono é que eram impossíveis. O caminho para o trabalho durante aquela estada longínqua de quem lhe pressionava o peito havia mais peso. Eram tantas as pessoas que iam com ele, ao lado dele, lhe respiravam o ar. Ainda sim não o eram. Nem sequer eram a ela. Tampouco podiam sê-lo ou, antes, sê-la. Mesmo que duvidasse tanto de si mesmo ainda tinha essa certeza. E essa era a sua salvação. A salvação de um abismo no qual se jogara sem ter o conhecimento de suas asas presas. A olhar o mendigo ao lado torcendo-se de cólicas por provar uma coca-cola com o estômago vazio e cheio de vermes. E nesse seu suicídio, tão impetuoso e idiota quanto nos fazia rir o nosso tão amado cavalheiro da triste figura. Um idiota completo e impetuoso. Combinação magistral para tragédias ou triunfos, mas não digna de pequenos atos como o dos suicidas. Jamais saltaria desconhecendo a envergadura de suas próprias asas, porém não verificar a sabotagem que se aninhara em seus braços e inscrevera-se tal qual tatuagem em velhos marinheiros conhecedores dos mares do esquecimento para simplesmente dar-lhe o nó que o faria refém em queda livre. Ao olhar pra trás buscando a compreensão naquela figura que já tinha invadido suas narinas com o perfume cintilante das lanternas dos afogados e suas vidas não cumpridas vira somente a distância aumentando e a luminosidade daquele encanto se abrir em meio aos lábios envenenados de desejo. Quando já desacreditado então da possibilidade de regresso ao vôo, ou ao menos da planagem se lhe escapam os nós atadores das asas maltratadas. Há um vislumbre de despertar, os olhos entreabrem, é uma sensação tão maravilhosa abrir os olhos e poder ver, de novo, o veloz amanhecer.

(biel)

vela chorosa noite adentro

e eu me afasto ao som de um velho blues meio country
é inevitável, imprescindível que eu vá
mas na certeza do retorno está a velha força
por tantas
e tantas
tantas vezes esquecida.

há muita beira na estrada
caminhos que não levam a caminho algum
onde se perder é um vício deleitoso.

mas na noite
que
cai
há uma virtude: farol.

uma vela na janela a me esperar
me lembra de não me afastar

...e é no tentar de novo,
no reconhecer o "rei que não morre",
que reescrevemos uma _stória
sem saber que ela é a mesma.
mas contada de novo é sempre uma nova canção.


(Biel)

domingo, 19 de abril de 2009

Amigos

Nascem e soam. Como não antes houvera som. O som original. Se eles soubessem o que causam... mas há que se esquecer as reticências. São vaguidão e o meu mundo é sólido. Optas-te por não fazer parte dele. Ou melhor: deixas-te de optar. Fosse meu homem e eu te faria minha mulher. Tudo é tão complexo aqui pra ti e pra mim. Parecemos duas mulheres em meio a fluxos de pensamentos em livres associações que não se prendem em lugar algum. Como você a mim. Porque assim se n’algum lugar sei que ainda reside uma parte que, o poeta quer, é ninguém e todo mundo?
Abre-te pra mim, deixa que eu te devore como a uma mulher. Como uma mulher. Porque eu sou mulher demais. Não tentes, antes, saber de si. Grite, me agarre as pernas e me deixe te possuir, te ter pra mim, dentro de mim. Seria tão mais fácil assim. E não queres... eu podia te dar a mão, puxar de volta. Mas não houve nenhuma tentativa. Não foste homem. E eu sou mulher demais. Preciso.
Demorei a nascer. Não tinha pretensão de ser tua. Ainda há qualquer coisa que me some às vezes. Por vezes vacilo. Quase um segundo e vale uma vida. A minha vida. Mas isso não importa. Quero-te no meu pescoço. Faça-me esquecer da vida. Até de ti. Preciso ir. Me deixe te levar onde um futuro nos saberá? Me deixe saber-te meu. Seja meu.
Não há possibilidade de um encontro. É impossível, como eu sou. Conhecer-se é ter o mundo nas mãos. E eu conheço você. Sei o quanto domina, o quanto se apodera de espaços, de ausências. A solidez do seu mundo só me traz um silêncio habilitado, como uma pedra, a romper-me as têmporas. A romper diques. A deixar as águas me invadirem. E liquefazerem os meus olhos diante do vazio eterno da eterna presença sua. Sim, eu sou assim. Na solidão. Choro um pouco mais ao constatar esse fato. E de fato choro. Mas num momento seguinte lembro da minha posição. Saio à rua e me livro de mim. Vou à padaria. Compro cigarros. Passo em frente a uma boate que, sei, só abrirá a noite. Na esperança de me lembrar do meu eu original. Só instintos. Assim me sinto mais homem.
Caio em mim antes mesmo de adentrar a minha casa. Quando sei que uma moral que eu não tenho me impede de pagar o amor de uma mulher. Ou mesmo de me apoderar do seu corpo num espasmo, sem pedir permissão. Você sabe mais que ninguém que eu poderia, mas não me tem. São pedaços, inteiros enquanto pedaços, que me fazem ver o seu rosto. E não encontro reflexo desses pedaços neles. Não há espelho, não há simetria. Tampouco proporção. Essa desesperança de encontro me faz mais homem. E eu volto pra te ver. Esqueço tudo um pouco e adentro a minha cama.
Sonhos? Sonhos sonhos são. Mas se você não me ama, porque assim? Porque não há aí a faísca que afogo, que abafo e me ferve a fogo baixo. Como eu posso romper esses elos que nos são anteriores? Quero sair daqui, ser salvo não é uma opção. Não preciso de Virgílios ou Beatrizes. Um Sancho me teria mais cuidado. Saber-se-ia mais importante. Não cabe aqui um contorno a essa situação. Sim, eu sou homem e, portanto, impossivelmente eu diria: eu amo você. Eu sou impossível. Não me realizo. Se há portas a serem abertas, quero ter a chave e não ter que pedir ao zelador para abri-las para mim. Não cabe a você essa tarefa. Na manhã seguinte a raiva devora o meu café. Mastigo tudo com força, lhe tendo quase ódio. Saio decidido. Mas sei que no caminho me aguarda o silêncio do seu sorriso quase maligno.
Se não me faltasse esse sentimento. São só palavras no fim, não são? Ah, os poetas. Não sou poeta, nem poetisa. Sou mulher. Mais que nunca. Sou poesia.
A poesia não se apreende. Não se prende. Não se nomeia. Não sou poeta. Sou um amante.


(biel)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

ao vencedor

são pequenas
as minhas cruzadas
diárias
porém épicas

olimpíadas sem fim
onde a superação opera em algo muito além do previsto em mim.

e lá
no momento de glória
que ao olhar-te
não posso ver teu rosto
voltado para o oeste
contemplando o pôr-do-sol
sem saber que a minha vitória
que leva o teu nome
se põe com ele.

(biel)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Lição de casa

E eram tempos...
de carinho
quando o que estava em volta
não podia ser
se não era violência
era onde a amizade.

Devagar se descobria
veneno doce esse um amor
chamado
e (ainda!) era onde
o antídoto.

Suave
o olhar desliza
do branco do papel

no direito ombro
ainda o antídoto
no canhoto
ainda uma dose
matinal
do suicídio.

(biel)

segunda-feira, 9 de março de 2009

lusco fusco

deito-me no calor no teu corpo
no lugar onde estavas há pouco
farejo no ar ainda algum perfume
e é como se isso quase fosse bom.

(biel)

terça-feira, 3 de março de 2009

excerto de estória

Sair do inicial desespero inicia um ânimo novo. Era como se lhe soltassem as asas, encarnadas de sangue e marcas a ferro quente. Ainda havia dor, ainda não poderia voar por tempos, mas tinha já as asas livres. Embora não reparasse na corrente sinuosa que escorria de seu tornozelo sabia ainda estar longe de poder voar, não sabia estar a uma distância quase impossível. Como quisera sonhar com esse dia, mas antes que nascesse o dia o sonho e o sono é que eram impossíveis. No caminho para o trabalho durante aquela estada longínqua de quem lhe pressionava o peito havia mais peso. Eram tantas as pessoas que iam com ele, ao lado dele, lhe respiravam o ar. Ainda sim não o eram. Nem sequer eram a ela. Tampouco podiam sê-lo o, antes, sê-la. Mesmo que duvidasse tanto de si mesmo ainda tinha essa certeza. E essa era a sua salvação. A salvação de um abismo no qual se jogara sem ter o conhecimento de suas asas presas. A olhar o mendigo ao lado torcendo-se de cólicas por provar uma coca-cola com o estômago vazio e cheio de vermes. E nesse seu suicídio, tão impetuoso e idiota quanto nos fazia rir o nosso tão amado cavalheiro da triste figura. Um idiota completo e impetuoso. Combinação magistral para tragédias ou triunfos, mas não digna de pequenos atos como o dos suicidas. Jamais saltaria desconhecendo a envergadura de suas próprias asas, porém não verificar a sabotagem q se aninhara em seus braços e inscrevera-se tal qual tatuagem em braços de velhos marinheiros conhecedores dos mares do esquecimento para simplesmente dar-lhe o nó que o faria refém em queda livre. Ao olhar pra trás buscando a compreensão naquela figura q já tinha invadido suas narinas com o perfume cintilante das lanternas dos afogados e suas vidas não cumpridas vira somente a distância aumentando e a luminosidade daquele encanto se abrir em meio aos lábios envenenados de desejo.Quando já desacreditado então da possibilidade de regresso ao vôo, ou ao menos da planagem se lhe escapam os nós atadores das asas maltratadas. Há um vislumbre de despertar, os olhos entreabrem, é uma sensação tão maravilhosa abrir os olhos e poder ver, de novo, o veloz amanhecer.

(biel)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

do escuro

é
na pedra que
se
amolecer
a onda leva

é
na garganta que
se
não resolver
a palavra seca

é
na noite que
se
sem se saber
a palavra leva

à rebentação leve
de palavras do porvir
e
os barcos cintilam à marola selvagem da noite a romper diques imensos em meu coração

(biel)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Excerto de relatório de estágio - Análise documental: uma carta, uma carta de amor

Pois assim é, Bem-Amada... nos arrancaram primeiro o lar, depois os filhos e, finalmente, nos separaram. E a dor, agora, consome até a derradeira veia...
Não te entristeças, contudo, Bem-Amada, que há muito principiara teu sofrimento e, a despeito de ter ele também talhado cada pétala morena do teu corpo, já é hora dos sorrisos virem abrir a flor dos seus lábios, onde orvalham o mel e o alfabeto.
Não te entristeças, que a tristeza eu a bebo toda. Tens marido, filhas, 2º ano, CEUs, escola em Cotia, eu tenho o cipó, na casa da Vó, eu tenho a poesia; e a tristeza, portanto, roubo-a inteira dos teus olhos e não reparto. Segue com tuas sandálias de felicidade. Segue, que, se seguires, nem a morte me roubará de nós.
Não te entristeças, morena bem amada! Não te entristeças, pois que minhas mãos, estas que ora te escrevem, ainda estão junto às tuas, sujas de cola. E ainda confeccionam cartazes de calendários e parlendas. Ainda repassam os mesmos exercícios de matemática e as mesmas palavras, com A, com B, com C, com D, com D, com D... Estas mãos ainda tremem e suam frio antes de sonharem acarinhar, brevemente, mais uma vez, teus cabelos sem luar, teus ombros, antes de sonharem tombar no precipício calicino da tua cintura. Estas mãos minhas não se desvencilhariam da cola tenaz das tuas mãos, a não ser quisesses muito. E olha, pensando bem, possivelmente nem com tanto querer assim.
Não te entristeças jamais... já que, afinal, quem faz os calendários ainda sou eu, todo mês. Ainda escrevendo de azul o que era para ser vermelho e de preto, o que era para ser azul e, de vermelho, o que era para ser azul e preto. E já que, no fundo, sempre foi e continuará sendo, para onde apontam os teus seios, que eu cego seguirei.

(Gu)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

dentes e sorrisos

o sorriso inerente
como aos pássaros
a arcada crocodileana
sempremente

houvera antes nunca sabido um sorriso assim

sábio, pensava
queria ser um crocodilo.

(biel)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Excerto de relatório de estágio: sem mês

Aconteceu num dia tipicamente paulistano. A manhã assoberbada por uma série de compromissos, obrigações, responsabilidades, que não se acomodariam à manhã nem que ela tivesse 6 horas a mais do já tem. Saí uns minutos atrasado, abandonando alguns deveres; esperei muito tempo o ônibus. Que, não satisfeito em atrasar, resolve se quebrar no meio do caminho. Outra longa espera, sob o sol à pino ardido. Cheguei na escola quase 2 aulas inteiras atrasado, prestes ao recreio, já sem voz para me desculpar diante da Diane, das nossas crianças, nem de mim mesmo - afinal de contas, dentre tantas razões boas e melhores, como vou eu cobrar disciplina dos meninos, se eu não a tenho nem de chegar no horário estabelecido? O Victor me chamou. Abri os lábios para dizer que já ia, a voz definitivamente decidiu não sair e se esconder lá no fundo, apenas balancei a cabeça cabisbaixa e fui em direção a ele. Me abaixei para ouvir o que ele queria, temeroso. Ele deu uma fungadinha esperta nos meus cabelos e disse sorrindo satisfeito:

- Olha, gente! O professor tá com cheiro de sol!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

do outro lado do desejo

o sangue havia passado incólume por algumas paixonites infecciosas q só geraram catarro. sentiu invadir-se daquele olhar e, de leve, tremeram suas coxas numa convulsão involuntária e desconhecida até então. em delírio no momento seguinte, quando desviou os olhos, sentiu vestir roupa demais e uma necessidade de despir-se quase a nocauteou, não fosse o comentário sem relevância e estúpido, mas com algum sentido naquele contexto, da amiga que despercebeu o momento que seria eternizado com um prazer faminto que quase não pode esperar a noite, o escuro e a solidão do quarto de menina para ser eternizado. e daí que a sua amiga tinha menstruado, era o seu primeiro pensamento, ela não precisava saber exatamente o que acontecia com o corpo dela. mas depois, quando subiu as escadas, não conseguia parar de pensar no vermelho. o vermelho até então não vazado. não pensava em sua menstruação que fora até precoce e mal conseguia pensar nela sem lembrar das terríveis cólicas. mas na ferida causada pelo amor a que ainda estava sujeita por falta dele. por não ter ainda sentido aquele olhar tão em si. seria dele, e não demoraria.

(biel)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

do desejo

uma sombra de desejo o assombrou! não queria mas por aquele segundo só, como um pit-bull olha o bebê rosado a engatinhar na grama, ele a devorou. seus olhos esverdearam, perdendo o castanho pela cor da espera. um verde vivo e denso como o sangue da virgem em núpcia!
lambia a saliva e sentia-a escorrer garganta a dentro. já era de longa data que a conhecia, mas nunca como agora a desejaria. com completa devoção e voracidade e ferocidade e, mais que tudo, tatilmente.
a escorrer na pele aqueles suaves pêlos redesenhados pela mão e uma convulsão estreita nas coxas a sonhar.
cada pedaço era um encaixe, como se antes fora um pedaço seu próprio e, desmembrado, agora pedia reeencontro. e ela o teria. não demoraria.

(biel)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

versos pra Tata - antes de saber seu nome ou seu apelido

vos peço um minuto
da vossa atenção
pois eu juro que
bem no coração

de São Paulo está
a Paulista, não?
mas e da Paulista,
onde o coração?

está no Conjunto
Nacional, dirão!
pois e do Conjunto,
onde o coração?

ora, na Cultura,
com toda razão,
mas e da Cultura,
onde o coração?

aí eu vos digo,
se dais permissão,
é nela morena,
mais linda, mais tão...

mas mais linda mesmo
mais ainda é sua mão
embrulhando livros
e o meu coração

e embrulhando o mundo
num abraço irmão
de proteger tudo
do perverso Não

gosto mais gostoso
que estar no torrão
e que estar no colo
em meio a trovão

gosto mais gostoso
que uva, que mamão
gosto não de fruta:
de abismo, de vão

sorriso mais lindo
que flor de porção
mais linda do que
bola de sabão

lindo que parece
mais uma poção
que parece nuvem
vista do avião

te vi no domingo
e perdi o chão
olhe que eu não minto
é vero, é verão!

(Gu)

dedicatória para MINHA aluninha

(com lágrimas e saudades)

Para a minha querida e muito amada
Aninha, com carinho e alvorada

Para que a estrelinha da poesia
Brilhe sempre mais lindo em sua vida

Para que não se esqueça de sorrir
E nem do seu professor eterno aqui!

Para que esse Brasil e o mundo inteiro
Conheçam Ana Luísa Carneiro

(Gu)

destino

Destruíra há muito aquela imagem na moldura, mas não podia esquecê-la jamais. A vontade de esquecer era já a lembrança de saber a imagem. Mas afinal, o que fazia aquela imagem retida na memória se tantas outras coisas deveriam ser, e de fato eram, mais importantes? Isso ele sabia. Mas porque perder a chance e se questionar. Era hábito já. Sabia q cada situação tinha a sua resolução assim que se impunha, mas gostava de considerar todas as hipóteses. Gostava de achar que tinha escolha. Mas afinal, somos ainda jogos dos deuses? Ou já podemos dizer não? Ou ainda devemos dizer: o que tiver que ser, será? E essas perguntas ele também se fazia. Eram tantas e entre elas, tonto, buscava nela a resposta. E voltar ao princípio. A imagem reaparecia e insistia. Todo pensamento e filosofia, mesmo as mais finas ou as mais botecais não saíam se não da imagem.
Andara por becos, vira flutuar um padreco com uma xícara de chocolate. Vira ciganos, vira assassinatos, e aquilo que parecia um anjo caído retomar e reganhar os céus. Mas nem todas essas lembranças ocupavam tamanho espaço. Naquela moldura estava eternizada, mas não por muito tempo. No exato instante, a pausa, o suspiro e o perfume q fugira da moldura, mas não da lembrança era demasiado insinuante para conter um leve enrijecimento muscular. Agora olhava o espaço na parede, a marca sem pó. Pesava-lhe a falta de reflexo do objeto luminoso. Nas manhãs frias agora pesariam o cinza que não era cor nenhuma. Ou antes, era a ausência dela. E o perfume ameaçara escapar na fatídica fogueira que, depois de despedaçada e esfacelada a moldura, consumiu desejosa a imagem.
Chorou ao sentir arder em si a carne que possuiu na mesma noite com a triste certeza equivocada de liberdade. Disfarçou e se sentiu menor. Saiu à rua. Parou. Bebeu. Não caiu. Voltou. Mais carne. Afogou-se. Voltou. Mas ainda sim amanheceu.


(biel)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

harmonia

a mão no rosto
(o calor do sal molhado)
o pescoço se insinua
ainda mais os seios sob a blusa
adivinhados

mas há que se voltar ao rosto
onde tudo principia
everything under the sun is in tune
mesmo que sequer haja sol
haverá

(biel)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

um pedido

o universo
todo
pode esperar
a manhã
nascer
pra nos ver
cantar
e ferir nossa retina
com o sol
a saciar
sua sede de luz
depois da noite
esfarelada
em estrelas
não vistas

(biel)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

o óbvio

lirismo não é,
mas é uma vontade de se matar.
ou antes,
de mergulhar.

uma sede que bebe
o sangue da gente
ainda quente
e mais vermelho.

a fome que consome
igere o músculo dado em vão
e o sono invindo,
abortado
morre toda noite.

pela manhã
o sol machuca
mas o sereno,
do lado de fora,
queima.

mas é uma vontade boa de se matar
ou antes,
de mergulhar
a noite inteira.

(biel)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

do fim

afinal,
sobraremos só em estória
dos anos, dos livros

mas sobraremos
sobreviveremos
nas estórias das pessoas

e o pó agitar-se-á
assustando os vermes
sempre que elas forem contadas.

(biel)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Do ano novo

"e a certeza
de que o último dia de dezembro
é sempre igual
ao primeiro de janeiro"
(humberto gessinger - "anoiteceu em porto alegre")

Mesmo em nossa cultura, que pede atitudes (às vezes) racionalistas e algo científicas diante dos acontecimentos, inibindo comportamentos próprios de culturas sacralizadas e mágicas, mantivemos o apego a alguns rituais: um deles é a passagem de um ano para outro.
Ao cabo de 12 meses (não em vão 12, número que já simbolizou a totalidade de um ciclo em diversos momentos da nossa história, enquanto o 13 simbolizou a morte e, conseqüentemente, o começo de outro ciclo: 12 apóstolos mais Jesus Cristo, na Santa Ceia, a morte de Filipe da Macedônia depois de ter sua estátua disposta ao lado dos 12 deuses romanos, a carta XIII, conhecida como a morte, embora sem nome, do Tarô de Marselha etc), enfim, ao cabo de 12 meses, comemoramos com o luxo de que dispomos o reinício.
Celebramos o novo. O novo é freqüentemente celebrado em nossa cultura: sempre o novo produto, o novo programa, o novo livro (no mínimo, a nova edição), o novo cd etc. Mas, no Réveillon, celebramos o novo de dentro, como se fôssemos ou pudéssemos mudar, após os 12 meses, radicalmente nossas vidas.
Curioso, pra além de saber se mudamos de fato ou não, é que encontramos força pra mudar apenas no que já existe de mais sólido, consistente e antigo.
Passamos a noite do dia 31, em geral, com as pessoas que mais próximas da gente estiveram durante os 12 meses, com as pessoas que conhecemos, às vezes, desde que nascemos, não com pessoas novas.
Passamos a noite, em geral, num ambiente que já conhecemos de longa data. Não raro, a nossa própria casa. Às vezes, numa casa de praia já conhecida, às vezes, numa cidade praiana e numa praia já conhecidas.
Mais que tudo, é raro, no ano, a passagem de um dia para outro tão sem ruptura quanto a do dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro. Comumente, dormimos cansados e despertamos mais dispostos, revigorados. Dormimos com um humor, colorido pelo que aconteceu durante o dia, e acordamos com outro, colorido pelos sonhos ou sei lá pelo que (mas é estranho como a gente acorda diferente!). Porém, no Réveillon, a festa do dia 31 é a mesma do dia 1º, a festa que encerra um ano é a mesma que inicia outro ano.
Apenas com esta sensação de que nada mudou, de que tudo continua extamente igual, mesmo que os astros e a cronologia digam o contrário, é que reunimos coragem pra enfrentar a novidade. Na verdade, não me parece simples assim deparar com o novo, mesmo quando ele é verdadeiramente desejado. Em razão deste ano mal ter começado pra mim, em razão de ele ter sido mera prolongação dolorida do ano retrasado, eu desejei muito o fim dele. Nem por isso, é sem dor e sem pavor que me despeço dele. E não creio ser sem dor nem sem pavor que a gente solte fogos de artifício (aliás, sempre os mesmos fogos de artifícios), que a gente beba sorrindo o champgne, que a gente cante a sempre mesma música, que a gente grite a mesma contagem regressiva.

(Gu)