quarta-feira, 27 de março de 2013

citadina I


parte
melhor de mim
que falta

fura e vaza íris
levita um instante
morre um pouquinho

adormece mansa
não lagoa
sem vento

cidade solta
pra todo o lado
meio-fio da Rua do Descanso

quinta-feira, 21 de março de 2013

Passageiro

Chegara impaciente da audiência em que injustamente perdeu a causa, apenas por entrar em litígio contra alguém de família importante na insignificante cidadezinha, acreditava. Apressara-se em alcançar a arruinada rodoviária, para pegar o ônibus das 13hs – ainda cumpriria outra audiência à tarde em São Paulo. Chegara às 12h55m, comprara a passagem.
Às 13h15, o ônibus ainda não estacionara. Os minutos arrastavam-se e, consigo próprios, suores do gordo e preocupado advogado.
Somente às 13h45m, o ônibus chegou. Enfileiraram-se os passageiros.
Ele se dirigiu à sua poltrona, número vinte. Lá estava já sentado um jovem, com seu I pod. O advogado reclamou seu lugar. O jovem insolente, após certo esforço do advogado em se fazer ouvir, respondeu apenas com um gesto obsceno.
O advogado foi ter com o motorista, que adentrou em seu ônibus indignado com essa juventude. O jovem, para não ser transtornado também nos próximos funks, tratou de se encaminhar à poltrona comprada, número oito.
Lá estava sentado um velho árabe, que não sabia falar nem ler português e que adquirira a passagem com a ajuda de seu neto brasileiro. Depois de muito custo, e apenas por educação, não por entendimento, o árabe mudou-se para a poltrona cinco.
Lá sentava uma moça, que não passava perto de poltrona par, porque dava azar. O velho árabe não se importaria em sentar-se em qualquer outra poltrona, porém o quiprocó se fazia tamanho que o motorista fez questão de que tudo findasse em ordem. Alguns sábios argumentos de um cientista convenceram provisoriamente a moça de sua possível anacronia – ou distopia?
A moça mudou-se, curiosamente, para a poltrona seis, do cientista, que lá estava, simplesmente, porque sua poltrona já tinha sido ocupada por uma senhora e porque preferia não incomodá-la.
A senhora lá estava, porque sempre se sentava na poltrona dez. Como tudo, na vida, tem uma primeira vez, dizem, ela mudou-se para a poltrona dezessete. A jovem que ocupava este lugar, lá estava apenas porque se confundira e porque queria se aquecer ao sol, mas prontamente aceitou migrar para a poltrona ao lado. Ainda esta poltrona havia sido comprada pela senhora, pois era sempre acompanhada pelo marido, que morrera há doze anos, mas que haveria de apreciar ter seu lugar ao lado da inseparável e amada esposa.
Esta jovem foi, então, para a poltrona treze, ao sol enfim, onde sentava um dos integrantes da dupla sertaneja da cidade. Foi difícil para todos desalojá-los, ambos, dos lugares por eles escolhidos, mas fazer o quê? Mazelas da justiça...
Seus corpos fortes foram agraciar as poltronas onze e doze. Justamente onde sentava sua fã literalmente número 1, fundadora do primeiro fã-clube, com seu poodlezinho devidamente tosado e vestido com uma camisa oficial da dupla e lacinhos frágeis. Nem foi preciso pedir que ela se mudasse; fosse preciso, talvez faltassem suas vozes poderosas. Ela e seu cãozinho foram para as poltronas três e quatro.
Lá estava um peão esparramado por ambas poltronas. Comprara duas, para que não fosse incomodado por nenhum outro passageiro. Foi incomodado, porque não comprara precisamente aquelas duas. Ele e suas botas imponentes foram, pois, para as poltronas quinze e dezesseis.
Na poltrona dezesseis, sentava a bela loura das curvas estonteantes e de decote generoso. O peão mal se importou em que ela se sentasse lá. A loura também se mostrou agradada com a presença do peão, inclinando-se para ajeitar o cinto de segurança dele. O motorista, mais uma vez, não gostou da história, já que a moça só poderia estar em poltrona errada. Ambos fizeram pouco caso. Até que o marido halterofilista desta loura saiu do banheiro, avistou o assanhamento e deu uma surra no peão como na esposa.
Quando tinha ido comprar passagem, o halterofilista já não encontrara duas passagens juntas: portanto, marido e esposa desavergonhada sentaram-se em lugares separados. Estavam em posse das passagens sete, ao lado do jovem insolente e funkeiro e a nove, ao lado do cientista. O halterofilista ponderou prudentemente que era melhor ele se sentar ao lado do jovem insolente e a mulher, ao lado do hábil cientista.
Na poltrona sete, sentava uma mãe com um filho de colo que não parava de vomitar, por esta razão não pretendia ela mudar de lugar. O motorista fez questão de chamar alguém da limpeza e efetuar a mudança. Mãe e filho mudaram-se para a poltrona dezenove, onde o menino vomitaria no ordeiro e justo advogado.
Na poltrona nove, estava um maluco que pedira a passagem quatorze, porque pensava poder garimpar quartzo, otimizando o tempo da viagem. Quando do convencimento (árduo) de que não estava na poltrona que tanto pedira, dirigiu-se ávido à sua poltrona de direito.
Lá se sentava, entretanto, para nosso pasmo, outro passageiro com a poltrona catorze. O motorista mandou chamar a vendedora. Ela estava inflexivelmente certa de que catorze e quatorze eram dois números distintos, pois eram duas palavras distintas. Muito foi o esforço filológico do motorista em elucidar que não se tratava de duas palavras distintas mas de variações de uma só palavra. A vendedora não se convenceu, decepcionou-se profundamente com os ônibus de sua empresa, que julgara tão séria antes, e decidiu escrever uma petição ao dono, exigindo uma poltrona para o número catorze e outra, para o número quatorze.
O motorista, conversando com seus passageiros, acabou decretando que o maluco se sentasse na poltrona catorze e o outro, na poltrona nove.
Para desilusão de todos que, agora, imaginavam iniciar viagem, finalmente, chegou o atrasado passageiro da poltrona nove. O motorista foi verificar as passagens da poltrona dois e da um, as únicas até então sem problemas. O elegante e taciturno passageiro da poltrona dois sentava na poltrona correta e considerava um abuso perder tanto tempo para começar uma viagem tanto quanto, não obstante estar na poltrona correta e com paciência, ser investigado, mas preferiu nada falar, para não perder ainda mais tempo.
O passageiro da poltrona um, descobriu-se logo, era, na verdade, o motorista, que bebera um pouco mais e que pedira a seu primo dirigir por ele. O primo, aquele que parecia tanto o motorista, enterrou a mão no bolso e encontrou a passagem número um. Porém, gentilmente, cedeu-a ao passageiro atrasado da poltrona nove e foi buscar passagem para o próximo ônibus.
O ônibus ainda tropeçou em um dos quase inúmeros buracos da estradinha e desabou com todos seus passageiros, deslocando, pela última vez, os passageiros de seus lugares corretos e justos.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Joana D'arc no deserto.
um oásis?
montanha.

Belchior no rádio
sintonizando alucinações 
cães 
me despertam a caminho 
do metrô

cidade 
desordenada construção
nada em caos