quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Feminina II

ser um homem
em grandiosos atos épicos
não narra ser mulher
em cada pequeno detalhe

(biel)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

boxe

você nunca foi meu braço direito
sempre te guardei à esquerda
o meu amor é canhoto

(biel)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

da perda

e as promessas sonhadas reais
e eternos os sorrisos
como lágrimas
na chuva

(biel)

madrinha

Acabou o livro, levantou-se, ainda lembrou-se de confirmar o nome da autora daquele romance tão perturbador: Ana Paula. Algo de místico rondava aquele nome. Ana Paula, repetiu como se confirmasse o nome da filha. Mas sem sobrenome carecia de identidade, não era um Joyce, ou um Goethe, tampouco um Shakespeare. Mas lembrou-se imediatamente de um outro nome. Homero. Onde tudo começa e pra onde tudo volta. Pareceu mesmo, aquela sua heroína, um pouco com Odisseu. Sua busca visava um outro lar, mas a mesma esposa. Talvez num mundo possível e tão verossímil quanto o de Odisseu.
Lembrou-se de ir a padaria comprar o pão para o café do dia que amanhecia. Saberia do gosto de mãe do macarrão de domingo. Nos elementos que se dispunham sobre os armários e móveis, alguns porta retratos, souvenires, e o que devia ser um artefato feminino sobrando ali por razão desconhecida, sonhavam uma áurea doce e de poderes desconhecidos até então. Tão poucas vezes soubera o valor desse amor de família que por vezes lhe pareceu um amor obrigado. E tanto quanto estas vezes teria lido livro tão perturbador como o de Ana Paula. (Abriu o portão) percebeu tal pensamento e esqueceu-se que havia esquecido o livro aberto. Mas fora proposital. Sentia conhecer aquele livro, sentia sonhá-lo, o sentia sonhar.
As pessoas logo começariam a chegar. Não sabia ao certo onde haviam ido. A casa foi tomada por ele por desculpa de uma noite, mas o tomou com sorriso que o recebeu. Dormira e agora buscava o pão para si próprio, mas sabia que iria encontrar companhia, talvez logo quando chegasse com o pão, que parecia uma tarefa fácil, mas lenta como a mãe que olha o filho dormir. Cada detalhe lhe lambia a retina, cada flor a se abrir nas árvores era ouvida. Se não fosse já um pouco tarde poderia dedicar-se mais a essa sensação de leveza de valsa cotidiana tão pouco vivida.
Passou sem dar ainda atenção ao cão que lhe lambia a mão livre da sacola. Preparou o café que não poderia deixar de ser doce. Comeu e esperou que chegassem. Chegaram. Olharam. Cozinharam. Conversaram. E era tudo tão bom. Tudo tão doce. Como era doce Penélope. Em cada olhar parecia caber um amor. Um amor só possível quando a mágoa toca o coração de cada um. Com alguma exceção na irmã mais nova e na afilhada. No beijo. Nas palavras enroladas da criança que aponta e que se sabe amada pra um sorriso de agradecer luzir o dia e arrebentar com um coraçãozinho já em fio.
Ela talvez não tivesse o direito de fazer assim. Mas ela fez e pronto. Ele agora espera sem saber se o fazia em vão. Mas por algum motivo, sem aquilo ele não teria isto. A criança ainda o olhava e tinha vergonha de falar francês. Mas a madrinha sempre pronta a ajudar aliviava a pressão e soltava uma gargalhada que assustava. Chegava mesmo a abalar a estrutura da casa, pensou ter ouvido, inclusive, uma rachadura fazendo-se na parede, como ouvira antes a flor, devido àquela gargalhada. E pensou: será que talvez não fora pelo olhar dessa gargalhada que as flores expunham-se pelas ruas? Ou antes teria sido apenas a inveja da mãe natureza que precisou criar sete maravilhas para descobrir que não superaria a criação do pai, pois a oitava saiu exatamente como a madrinha, que não era, mas tem todo o direito de ser, fada.

(biel)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Excerto de relatório de estágio: Novembro

DA PROFESSORA:

Certa feita, fraquejei e tive de ser um ser humano por um dia. Vocês sabem a que conseqüências isso pode levar... O que vem de patadas, de coices, de garras, não se escreve. Eu sei que é piegas; sem meias palavras: pieguíssimo, escrever isso de não se poder ser humano. E, é claro, nem é verdade verdadeira, pois que as patadas, os coices e as garras também são dos humanos. Mas sei lá.
Bom, o que eu sei é que fraquejei, cheguei na escola, a professora perguntou como eu estava e eu respondi que “mal humorado”. Esse é o tipo de duas palavras que, com minha entonação, naquele momento, para aquela pessoa, chamaríamos grosseria. Eu tinha mil outras maneiras de dizer aquilo pra Diane, mais de acordo com o léxico que estabelecemos para com-versar, inclusive mais sinceras, mas disse do jeito que disse. E assim começou o desmoronamento.
As crianças gostaram. Estava tão feroz comigo e transferi tão bem minha fúria pra eles que todos ficaram quietinhos, como se não estivessem mais abandonados numa escola tão grande e tão fora de casa.
As crianças saíram, ficamos só eu e a Diane. Confessei que precisava de carinho. Aí desmontou o homem sempre em montaria e armadura, de cavalo e moinho de vento, de espada e escudo, arcaico, que defendia a Diane das injustiças da coordenadora e da diretora, que enfrentava com poeminhas circunstanciais, bielotruffas, chaveirinhos, perfumes, paciência, carinho e bom humor a falta de carro, de marido, de amor, de coragem, de força (sempre provisórias) da Diane. Ela não esperava. Respondeu em quatro tempos:
- pôs a mão na minha cabeça (gesto mais erótico dela, que teme os corpos como ninguém - a ponto de regular o rosto pro beijo de cumprimento).
- perguntou: “O que eu vou fazer de você, Gustavo? Jogar no lixo?”.
Vendo minha expressão de “Porra, você tá bem louca?”, ela tentou pela terceira vez:
- Vou jogar água em você!
Por fim, engatou sua última tentativa:
- Vou te por pra dormir.

Posso dizer que não esperava, dessa maneira, nenhuma dos momentos. Mas esta resposta encerra um carinho que não tinha conhecido antes. Desde o primeiro momento, tentando aproximar seu corpo (tão sabidamente desejado) do meu, passando pela rejeição absoluta, pela vontade de me acordar - literalmente - para a vida, até terminar no gesto materno de me pôr pra dormir, reconhecendo que a vida não tem muito jeito mesmo.
Tudo isso, de improviso, foi muito diferente das patadas, coices etc etc em estado puro a que estamos acostumados a receber depois de cometer a perigosíssima frase: “preciso de carinho”. Tudo isso me deu a alegria que todo homem pode querer, que é a de poder tirar a montaria. De noite.

(Gu)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

à noite

se eu durmo
com olhos abertos
é só
pra te ver sonhar

(biel)

uma gota a mais

Sei
Tão bem quanto você
Sem nem te querer
Que se explode de paixão.
Aquelas unhas

Negras ainda marcam minhas costas
Nuas sob o sol da tua lembrança
Sem nem te querer

E ela foi demais.

Num presente impossível
Sem nem te querer
Ela seria sempre demais.

Delícia, loucura e prazer
No meu mar
No meu mar AZUL
No meu altar

Na gênese do mal
O infinito impera
Mas o teu desenho
Teve de contornar

E ele te quis.


(biel)

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

filipenses 6:66

tudo posso
naquela
que me
fortalece

(biel)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

a uma passante

não passe!

(biel)