domingo, 27 de novembro de 2011

Soneto da escrita escolar I

Chamem policiais, empreendedores,
Pastores, cientistas, Barrabás,
Chacais, leões-de-chácara, umas flores,
E os administradores, aguarrás,

E mais: os filisteus, governadores,
Senhores, guardas, médicos legais,
Geisel, juízes, bispos, revisores,
Autores, diretores, tanto faz!

Só não permitam, oh! só não permitam
Que a pena do poeta lambuzasse
Sua cruenta e diabólica tinta

Sem que fosse em mandinga, asilo, passe
De mágica, ou sarjeta, ou vaso, ou finta.
Aos outros, deixem o diário de classe!

(Pau no Gu)

Soneto da escrita escolar III

(Ao gosto de Glauco Mattoso)

Anos, passou a fio, a ler os textos
De seus alunos embusteiros gados.
A cada vírgula, esperava gestos
De fúria e sangue, verbos desbocados.

Que nada! Lero-lero em manifestos,
Missas, lances de dados viciados:
Despoluir... descorromper... protestos
Tão soníferos quanto calculados.

Mas, por vencido, não se deu. Hahá.
- Cansei de bosta no papel. De cócoras!
No chão, caguemos. Um, dois, três e já!

Caprichai, que impiedoso o tempo cobra.
Sem mais tardar, o sinal soará.
A gente vai, e fica só a obra.

(Pau no Gu)

Soneto do absenteísmo I

Tudo que querem é fugir da escola –
Não esperam por édens, utopias –
Basta-lhes divisar um tatu-bola,
Ou mesmo louças sujas pelas pias,

Despertar meio-dia sobre a xola
Da esposa – se recusam putarias –
Ou assistir à novela mais tola –
Não sonham Kurosawas pra tais dias –

Nem retorno ao vestiba nem partida
P’ra aposentadoria lá em Bagdá
Nem mesmo férias na Ilha Perdida.

Querem vazar. Ofurô. Saravá.
Mas a escola em seus corpos encardida...
A escola, neles, nunca faltará.

(Pau no Gu)

Sissone en avant I

Porque eu preciso da vida para morrer de amor.

(Gustavo de Paula)

domingo, 20 de novembro de 2011

Plié I

E não me tire esse copo aqui da mesa! Desta dor, quero até o último gole, quero o copo inteiro, quero estilhaçar o copo nos dentes na língua no céu da boca na amígdala no pomo de adão, quero-a caco a caco em sorvos lentos, sedentos, avarentos.

(Gustavo de Paula)

Coco I

Pois a maçã preguntô
P’ras uvinha lá do cacho:
Qual o exílio da beleza?
Respondero: A Paula, eu acho.

- Mas, sô, não era o Curíntia?
Nem um milagre absurdo?
Nem chuva de margarida?
Nem o céu de Cordisburgo?

- Será que nem cachoêra?
Nem barquim de jornar?
Será que sua beleza
É maior que um enxovar?

- Maior que o mar e que o céu?
E o que o tempo na prisão?
Que meus anos sem te ver?
E que a imaginação?

- Mas será assim mesmo
Tão maior sua beleza
Que o coco do coqueiro?
E que o bão da sobremesa?

- Mais maior que a internet?
E que a barba do Mamede?
E que aquele dicionário
Sem fim do Caldas Aulete?

- E mais ainda que a Bíblia?
Que a coragem do Biér?
Que o coração do Lelê?
Que o giro num carrussér?

- Que a população da China?
Que o gado do boiadêro?
Que a peleja dum cristão?
Que a tristeza dum vaquêro?

- Mas será assim mesmo
Tão maior sua beleza
Que o coco do do Pandêro?
E que toda a natureza?

Pois as uva confirmaro,
E a maçã desconfiô.
Mas quando te vis-viu...
Virou em maçã-do-amor!

(Gustavo de Paula)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Soneto da obscenidade I

Já decorei, de cada aluno, o nome.
Corrigi seus cadernos e apostilas.
Descobri com quem moram e o que comem.
(Amo as suas realidades descobri-las!)

No diário, anoto toda vez que somem –
Sinto deles a falta em sala ou em fila –
Tenho-os no e-mail e essas coisas de jovem.
Leciono até na lan-house da vila.

Estimulo o prazer pela leitura.
Deleite na labuta e na exaustão.
Ensino: o gozo mais lascivo é o estudo.

Amo os alunos e a licenciatura!
- Mas qual motivo pra reprovação?
Entre quatro paredes, vale tudo.

(Pau no Gu)

sábado, 12 de novembro de 2011

Coreographia II

A José Silvério

I

Pai do Gol, esposo da Bola,
Coreographo na vitrola,

Asceta do verbo e do rádio,
Aedo das liças no estádio,

Irradiador ou irradiante?
Ou radioativo reboante?

Raio: a luz que emana de um foco
E se alastra em nós em voz e fogo.

II

Se a bola rola, vibra o canto;
Gládio em campo, voz de comando.

Se de trivela, arqueia o entoo;
E se chapela, alça-o em voo.

Bicicleta, manobra-a em dós;
Defende a meta, fecha a voz.

Cobra o pênalti, tom suspeito...
Se estufa a rede, estufa o peito!


III

E que golaço! E que golaço!
De cabeça, voleio ou braço.

Com artilheiros, tanto gol,
Mas foi você quem os marcou.

Em uma só voz, nossa vista
Mais corada, e atenta, e imprevista.

Em uma só voz, nosso grito
Intensificado: negrito.

IV

Pra cantar, mister é escoltar
Rodopios e curvas no ar.

– E quem me ensinou foi você,
Ainda antes de Mallarmé,

E de Orides, e de Foucault,
Eu menino, em colo do Vô –

Pra cantar: sílabas na cola
Da dança insurgente da Bola.

(Gustavo de Paula)

domingo, 6 de novembro de 2011

Pas marché I

Assombrado, General Flores descobriu que, dali em diante, seus passos pelas ruas jamais poderiam ser os mesmos de tantos anos e de tanto uso. Notou que, se tropeçasse, faria tremer as raízes centenárias das árvores do bairro, os tanques de guerra da cidade, os tratados comercias do país.

As donzelas, enfeitiçadas, sentiam o movimento brusco das coxas monumentais, transtornando a direção dos ventos, erguer cada prega de suas saias, desde a cauda, cada sobretúnica, cada corpete.

Os senhores de tatuagens e barbas ruivas, muito viris e honrados, sim senhor, fugaz não se acomodavam a seus apetites.

Aos anciãos, causava repúdio a vitalidade daqueles passos. Aos miúdos, temor. Não dormiriam aquela noite: alguns, apavorados com a possiblidade dos passos alcançarem seus quartos; outros, receosos de que não deparassem outra vez, em vida, com passos tais que pudessem seguir até onde fossem.

O estouro da manada refrearia sua explosão alucinada, caso se pusesse em seu caminho, naquele dia.

Nuvens teriam anegralhado o céu para a tempestade, caso se atrevessem a permanecer sobre a certeza intolerável daqueles passos.

As folhas pesadas do outono se precipitavam desejando mais que tudo serem trituradas por aqueles pés indiferentes.

Passos sem pressa nem preguiça:
Nem em falso nem passo a passo.
Nem passo o ponto nem ao passo que.
Nem básico nem avançado.
Nem paço nem compasso.
Nem Passo Fundo nem de rosca.
Nem escoteiro nem escuro.
Nem andante nem allegro.
Nem ida à labuta nem volta ao lar.
Nem marcha nem ballet.

Passos, sim, de quem fez, do mundo, o próprio quarto.
Porque fizera, de alguns dois olhos castanhos bem escuros, o abajur.

(Gustavo de Paula)