quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Do ano novo

"e a certeza
de que o último dia de dezembro
é sempre igual
ao primeiro de janeiro"
(humberto gessinger - "anoiteceu em porto alegre")

Mesmo em nossa cultura, que pede atitudes (às vezes) racionalistas e algo científicas diante dos acontecimentos, inibindo comportamentos próprios de culturas sacralizadas e mágicas, mantivemos o apego a alguns rituais: um deles é a passagem de um ano para outro.
Ao cabo de 12 meses (não em vão 12, número que já simbolizou a totalidade de um ciclo em diversos momentos da nossa história, enquanto o 13 simbolizou a morte e, conseqüentemente, o começo de outro ciclo: 12 apóstolos mais Jesus Cristo, na Santa Ceia, a morte de Filipe da Macedônia depois de ter sua estátua disposta ao lado dos 12 deuses romanos, a carta XIII, conhecida como a morte, embora sem nome, do Tarô de Marselha etc), enfim, ao cabo de 12 meses, comemoramos com o luxo de que dispomos o reinício.
Celebramos o novo. O novo é freqüentemente celebrado em nossa cultura: sempre o novo produto, o novo programa, o novo livro (no mínimo, a nova edição), o novo cd etc. Mas, no Réveillon, celebramos o novo de dentro, como se fôssemos ou pudéssemos mudar, após os 12 meses, radicalmente nossas vidas.
Curioso, pra além de saber se mudamos de fato ou não, é que encontramos força pra mudar apenas no que já existe de mais sólido, consistente e antigo.
Passamos a noite do dia 31, em geral, com as pessoas que mais próximas da gente estiveram durante os 12 meses, com as pessoas que conhecemos, às vezes, desde que nascemos, não com pessoas novas.
Passamos a noite, em geral, num ambiente que já conhecemos de longa data. Não raro, a nossa própria casa. Às vezes, numa casa de praia já conhecida, às vezes, numa cidade praiana e numa praia já conhecidas.
Mais que tudo, é raro, no ano, a passagem de um dia para outro tão sem ruptura quanto a do dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro. Comumente, dormimos cansados e despertamos mais dispostos, revigorados. Dormimos com um humor, colorido pelo que aconteceu durante o dia, e acordamos com outro, colorido pelos sonhos ou sei lá pelo que (mas é estranho como a gente acorda diferente!). Porém, no Réveillon, a festa do dia 31 é a mesma do dia 1º, a festa que encerra um ano é a mesma que inicia outro ano.
Apenas com esta sensação de que nada mudou, de que tudo continua extamente igual, mesmo que os astros e a cronologia digam o contrário, é que reunimos coragem pra enfrentar a novidade. Na verdade, não me parece simples assim deparar com o novo, mesmo quando ele é verdadeiramente desejado. Em razão deste ano mal ter começado pra mim, em razão de ele ter sido mera prolongação dolorida do ano retrasado, eu desejei muito o fim dele. Nem por isso, é sem dor e sem pavor que me despeço dele. E não creio ser sem dor nem sem pavor que a gente solte fogos de artifício (aliás, sempre os mesmos fogos de artifícios), que a gente beba sorrindo o champgne, que a gente cante a sempre mesma música, que a gente grite a mesma contagem regressiva.

(Gu)

2 comentários:

maria clara disse...

Gu, você é simplesmente foda.

biel madeira disse...

e ainda sim nos sentimos renovados!!
e prontos pra mais um ano novo.