quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

destino

Destruíra há muito aquela imagem na moldura, mas não podia esquecê-la jamais. A vontade de esquecer era já a lembrança de saber a imagem. Mas afinal, o que fazia aquela imagem retida na memória se tantas outras coisas deveriam ser, e de fato eram, mais importantes? Isso ele sabia. Mas porque perder a chance e se questionar. Era hábito já. Sabia q cada situação tinha a sua resolução assim que se impunha, mas gostava de considerar todas as hipóteses. Gostava de achar que tinha escolha. Mas afinal, somos ainda jogos dos deuses? Ou já podemos dizer não? Ou ainda devemos dizer: o que tiver que ser, será? E essas perguntas ele também se fazia. Eram tantas e entre elas, tonto, buscava nela a resposta. E voltar ao princípio. A imagem reaparecia e insistia. Todo pensamento e filosofia, mesmo as mais finas ou as mais botecais não saíam se não da imagem.
Andara por becos, vira flutuar um padreco com uma xícara de chocolate. Vira ciganos, vira assassinatos, e aquilo que parecia um anjo caído retomar e reganhar os céus. Mas nem todas essas lembranças ocupavam tamanho espaço. Naquela moldura estava eternizada, mas não por muito tempo. No exato instante, a pausa, o suspiro e o perfume q fugira da moldura, mas não da lembrança era demasiado insinuante para conter um leve enrijecimento muscular. Agora olhava o espaço na parede, a marca sem pó. Pesava-lhe a falta de reflexo do objeto luminoso. Nas manhãs frias agora pesariam o cinza que não era cor nenhuma. Ou antes, era a ausência dela. E o perfume ameaçara escapar na fatídica fogueira que, depois de despedaçada e esfacelada a moldura, consumiu desejosa a imagem.
Chorou ao sentir arder em si a carne que possuiu na mesma noite com a triste certeza equivocada de liberdade. Disfarçou e se sentiu menor. Saiu à rua. Parou. Bebeu. Não caiu. Voltou. Mais carne. Afogou-se. Voltou. Mas ainda sim amanheceu.


(biel)

Um comentário:

Danilo disse...

Legal pra caralho, sangrado pra caralho! Até espirrou em mim!