sábado, 30 de janeiro de 2010

terremoto

os olhos em outra direção.
cada pedaço da terra explode
mas o chão, este simplesmente desaparece.

a viagem ao centro da terra tem início

a vertigem inverte-se
olho pra cima...

na beira do abismo ninguém quer cair comigo

(biel)

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

UMA ESTÓRIA MASCULINA

Um homem na estrada caminha o seu caminho, não olha pra trás e pensa que é grande a sua jornada. Ou pior, pensa que é o escolhido para fazer o que está indo fazer. Não sabe que o que realmente acontece é que ele sempre tem algo a perder. Só é grande o homem que não tem nada a perder. Onde não mora mais a fé. Onde não mora mais seus amados. Ele pode realmente tentar, mas nunca poderá ser assim tão grande quanto ele pensa que é. A estrada não lhe é assim tão boa que lhe tire tudo para que ele seja grande.
Na estrada ele sabe, traz a certeza de ser o único. Caminha lentamente, calmamente. O olhar erguido, a cabeça meio baixa, um gato que prepara o ataque ao rato. Em cada parada da estrada arranca suspiros. As moças lhe desejam sorte sonhando em ser o motivo da busca. Mandam-lhe beijos aéreos que ele rejeita por ter consigo a lembrança da amada deixada para trás para cumprir a missão. Ou seria uma Missão? Se em nome de deus ele corresse. Ou lembrasse Forest Gump. Se...
E em cada parada cada homem com cada carro com cada esposa com cada filho com cada brincadeira em cada canto era lembrado desejado insultado comentado criticado invejado. Caminhar ereto era uma afronta ao destino. Uma afronta a quem pensasse em lhe impedir a passagem. Ele vinha seguro. Tão seguro. Seguro como se não tivesse o que perder. Jamais lhe ocorreu que ele poderia ser algo que os outros pudessem perder. Havia tanta fé naquela jornada. Ainda que o motivo fosse nobre, não era muito original. Tanta comoção. Ele não percebeu que se tornara num ídolo. Quase uma lenda. Algumas estórias começaram a surgir pela sua rota. Estórias que não se sabe como começaram, mas que caminhavam mais rápido que o nosso viajante. Antecipavam-lhe a chegada. E em pouco tempo, a inveja foi tomando outras formas, os desejos foram ficando mais explícitos. Mulheres nuas invadiam a tenda na qual acampava implorando para serem possuídas. Os homens dos povoados trancafiavam filhas e esposas até que o caminhante chegasse à próxima cidade.
Ouve inclusive um incidente de desafio a duelo. Tendo, à luz do dia, a mulher de um homem já estabilizado, com duas filhas pequenas. Um homem inteiramente feliz em seu casamento um homem que resistiu às tentações oferecidas pela secretária em seu escritório. Resistiu às orgias para as quais fora convidado durante os primeiros dois anos de matrimônio. Um homem que amava. Estando este homem em seu escritório, do alto do prédio podia ver a estrada. A multidão que acompanhava o nosso viajante sujou-lhe o horizonte. O homem que amava já tinha conhecimento do viajante. As estórias eram tão irreais que ele chegou a duvidar da veracidade da caminhada, mas lá estava o nosso caminhante que não podemos chamar de nobre, porém m adjetivo é necessário. Que seja corajoso, lá estava nosso caminhante corajoso. O cortejo aproximava-se va-ga-ro-sa-men-te. O homem que amava havia acabado de almoçar e entrava num estado levemente sonolento. O corajoso viajante parecia ter acabado também de fazer sua refeição, pois caminhou ainda por mais uma hora sem parar. Quando a procissão se aproximou do prédio, chegando à fonte da cidade que ficava somente a algumas quadras do prédio, o homem que amava pode distinguir sua esposa dentre os acompanhantes do caminhante. Não acreditava que sua esposa, mulher tão centrada, pudesse ter sido seduzida por essa sensação que tomava conta de todo o estado desde que começara a caminhada. Porém lá estava ela. Tomou seu direito como chefe, cancelou uma ligação que teria de fazer e foi juntar-se à esposa para ver de perto o viajante. Estava somente curioso para lhe conhecer o rosto. Os boatos eram tantos que ele já não poderia saber que imagem formar em sua mente. O viajante havia parado na fonte para um gole d’água e um descanso de quinze minutos. Ao alcançar a fonte, o viajante logo reconheceu o viajante pelo fato deste estar levemente afastado da multidão, entretanto era o único para o qual todos olhavam. Moreno, alto, forte, olhos escuros, cabelo escuro. Uma figura que lembrava alguém, talvez algum ator de filmes estadunidenses. Então se voltou mais uma vez à multidão. Encontrou os olhos da esposa brilhantes, a pele clara ao sol parecia arder. Sorriu por meio segundo. Percebeu que os olhos dela estavam ali e não se moviam. De encontro ao viajante. A fúria lhe subiu. Postou-se entre o olhar da esposa e o caminhante. Ela enrubesceu. Sem pensar, dirigiu-se ao viajante que pouco sabia o que causara. Desafiou para um duelo. Quis resolver tudo no braço. Sabia que não teria a menor chance. Lançaria o rosto de encontro àquelas mãos enormes se fosse necessário para causar algum dano ao viajante. A mulher interveio. Pediu-lhe para que esquecesse. Implorou com sinceridade em nome do amor que ele lhe tinha e que ela sempre nutriu por ele também. Ela nunca mentira o dizer que o amava. Ele parou. Olhou-a com calma. Enxergou-lhe o arrependimento. Perdoou-lhe ao custo de um fígado que lhe era bicado por uma ave a cada vez que parecia ter esquecido o assunto.
O homem continuou sua viagem.
O homem que amava iniciou a rotina de suicídios diários.
Esquecido já do acontecimento, com suas atenções todas voltadas apenas para o seu objetivo, o homem caminha. Com coragem. Havia já escapado de duas tentativas de homicídio. Uma delas encontrou sucesso em assassinar, mas errou o alvo a ser morto. Como havia muitos seguidores, muitos deles usavam barracas iguais à do homem que caminhava para com ele acampar. Em uma noite, um homem errou a barraca e esfaqueou um jovem rapaz de 16 anos que se deixou levar pelos ideais do caminhante. Com tudo isso, só fazia aumentar a fama e a nobreza da missão. Gostava disso. Gostava de se sentir o centro, mas não era prepotente. Uma figura simpática, carismática. Movera uma multidão sem dizer uma palavra. Porém não os desencoraja. Mesmo sendo exclusivamente sua a caminhada. Não perdera uma noite de sono pelo rapaz assassinado à barraca ao lado. Não mandara sequer condolências à família do rapaz que julgava que o filho estivesse na escola.as dúvidas ainda não lhe ocorriam. As dúvidas são fatais.
Duvidando de si, um homem se apresentou ao caminhante. Era o homem triste. O homem triste tinha perdido tudo o que tinha. Os homens que perdem tudo têm uma chance de se encontrar. Mas não este. Este enterrara-se. Respirava por hábito. Fazia hora extra no mundo. A filha e a esposa mortas num acidente automobilístico arrasaram sua vida. Cheirava a álcool. Os olhos amarelecidos e avermelhados ao fundo. Confundia-se com restos da cidade. Era uma grande cidade, uma verdadeira megalópole. Vira a comoção causada pela passagem do viajante em outras cidades pelos telejornais nos bares em que costumava adormecer. Não sabia bem o que acontecia, mas excitara-se com a novidade. Um velho com um novo bicho de estimação ou uma nova planta ou um novo programa de pesca.
Depois de duas ou três quedas pelo caminho, divisou uma mancha escura. Caminhou em direção a ela. Logo começou a ouvir um chiado. Ainda não sabia o que estava acontecendo nem o que estava exatamente fazendo. Mas caminhava seguro de onde queria ir. O chiado tornou-se em vozes. A mancha, em multidão. Distinguiu pelo afastamento um moço moreno. Sorria pra si mesmo. Invejou-o como quase todos que o seguiam. Chegou-se perto. O homem moreno ensaiou um gesto de repulsa, mas conteve-se a apenas retorceu o rosto por conta do cheiro do homem triste. O homem triste perguntou-lhe porque caminhava. O viajante respondeu. O homem triste ponderou como era ponderada sua idade, nem lá, nem cá: meia idade. Retomou lembranças que não quiseram ouvir quando ele entrara em decadência. Lembrou-se da angústia. Quis voar para o bar. Sabia que seria um vôo com turbulências, algumas escoriações e hematomas. Pensou. Ressentiu-se da vida. Olhou mais uma vez o viajante moreno e bonito. Lembrou-se de si mesmo. Deixou-se ficar ali. A multidão partiu seguindo o viajante. Sentou-se onde esteve o viajante. Sentiu vontade de chorar. Chorou. Levantou-se. A embriaguez passara. Caçou no bolso as chaves do carro. Lembrou-se que o motorista que tirou-lhe a vida estava embriagado ao volante. Perdera as contas de quantas vezes dirigiu embriagado antes disso acontecer. Sentiu vontade de chorar. Chorou. Voltou pra casa. Banhou-se.
Viajava o nosso caminhante. Determinado. Embora não muito perseverante. Gostava de conversar com os jovens cheios de ideologias que lhe perseguiam. Encontrava furos em todas as ideologias. Pontos negativos. Era inteligente. Mas só o suficiente para contestar, nunca para defender. Afinal, defender é o mais difícil, por isso dizemos que a melhor defesa é o ataque. Sua próxima parada foi num vilarejo tranqüilo. Ali era grande a solidariedade do povo que vivia com pouco. Comeu de graça. Banqueteou-se, na verdade. Todos queriam trazer o que de melhor havia em suas casas para o afamado viajante. Metade da multidão parara na entrada da cidade num pequeno boteco que servia almoço. Alguns passos adiante o viajante foi abordado pelos moradores. Após o banquete, enquanto ainda saboreava a sobremesa, sem saber que estava condenando quatro crianças a ficarem sem sobremesa por toda a semana, viu sentar-se um jovem à mesa armada pra ele. Estranhou pois todos permaneceram de pé enquanto ele comia. Antes que ele pudesse perguntar-lhe o nome, o jovem disparou: o senhor caminha para o vazio. Não deveria caminhar apenas para provar ao mundo. Esqueceu-se de si? Afinal, de que lhe vale a cruzada se ela nunca será também sua. Já houve mortes. Sua eloqüência é invejável, porém vazia. Não posso acreditar que de onde você vem possam ser todos assim. Se forem, me avise para que eu saiba qual será a próxima cidade a ser varrida do mapa nos próximos dois anos. E o senhor... Não pode completar a frase, a indigestão que o homem que falava causou teve como conseqüência um cruzado de direita que o fez engolir um dos dentes e ainda lhe rendeu um nariz quebrado. O homem que falava apenas esperava a contestação que vira nos noticiários. Queria acreditar naquele seu herói, mas era preciso palavras para o tornar mais que humano. Mais que um homem. O homem que falava obteve sua resposta. Afinal, a melhor defesa do viajante foi o ataque. Levantou-se, saiu da cidade o mais rápido que pode.
Ninguém havia refletido sobre o que aconteceria depois da missão cumprida. Talvez já tivessem cogitado um retorno glorioso. Refazendo o percurso inversamente ao início. Recolhendo as palavras que todos lhe diriam desejando-lhe toda sorte em sua próxima caminhada. A chegada em casa. O encontro com a mulher. O beijo longo de fim-de-filme. Inclusive ele, o caminhante, já havia pensado nisso. Nunca lhe ocorrera a possibilidade de falhar em sua missão. Ou que qualquer coisa pudesse ocorrer-lhe. Nunca até agora. Caso não conseguisse completar a sua jornada sua mulher se decepcionaria. Provavelmente o acharia um fraco. Caminhar tanto para nada. O abandonaria. Encontraria com alguém na mesma estrada que ele caminhava agora. Ela seria capaz? Olhar como me olhou aquela moça de pele clara ardendo ao sol para outro homem? Pensou o homem que amava e sentiu o sangue gelar. O chão parecia sugar-lhe as forças, os joelhos começaram a dobrar-se involuntariamente. Precisava falar com ela. Estava perdendo a sanidade. Avistou um telefone público do outro lado da estrada. Não teve dúvidas. Precisava telefonar. Ouvir a voz dela. Saber que estava ansiosa para o seu retorno. A luz do sol parecia estar sendo dragada por algo feito de puro medo. A vista embaçada e escurecida não distinguiu o carro que se aproximava. O carro que o atirou a muitos metros de distância deixando-o mais próximo de seu destino inicial, mas incapaz de prosseguir. A garganta seca repetia o nome dela. Ele tinha o que perder.


(biel)

RETRATO DE UM HOMEM POR UMA MÚSICA

A música ecoava... a voz era bastante suave. Os acordes do violão cada vez mais moles. Não queria pensar na música, tampouco na voz, mas aquilo incomoda a gente. Como cada coisa simples pode incomodar a gente desse jeito. Eu procuro entender tanta coisa, mas coisas simples jamais serão compreensíveis. Pelo menos não pra mim. E não porque eu não me esforço, mas porque são nelas que residem os segredos.
Enfim, andando entre os prédios da Avenida Paulista, o sentimento era algo engraçado. A cidade crescera tanto que começava a se entupir de si mesma. Como numa orquestra em que há instrumentos demais para a mesma função, impedindo que os demais instrumentos ocupem o palco. E na caminhada, sempre acompanhada pelo pensamento nela, a música servia como a trilha sonora para um filme. Mas um filme com apenas uma música. Não havia sequer uma bateria para as piadas, que não eram poucas e tampouco eram boas. O suave caminhar, a suavidade dos dedos entrelaçados. A certeza da volta conflituosa para a casa, a não-suavidade dos corpos no metrô.
O mais difícil era suportar o desejo que se impunha ali ao lado. Um desejo canhoto. Do avesso que se poderia imaginar. Mas a letra da música que se repetia sempre ajudava a ter muita calma. Por vezes, calma demais. E o desejo só fazia aumentar. As noites eram torturantes, insuportáveis. Mordia-me o lençol. O travesseiro me alfinetava. Nas noites frias os cobertores pesavam demasiado. Impediam de mover-me. Um sufoco.
Algumas tardes haviam dado uma prévia do que poderia acontecer. Ainda mais, do que se poderia sentir. Mas ali, no centro da cidade que era a maior do mundo só porque nos continha, a música não se despregava dos ouvidos. Quanta gente bonita circula por lá. Rostos realmente muito bonitos que eu olhava com muita calma. Homens e mulheres, mas as mulheres sempre foram a minha inspiração maior. Tão mais detalhadas que os homens. A partir dos rostos, inevitavelmente os olhos percorriam os corpos. Sem esquecer a suavidade dos dedos que estavam entrelaçados aos meus e com a memória daquele corpo mais próximo e quente como nunca antes pudera ter existido. Um leve estremecimento, uma leve excitação. Ela fala algo e a música recomeça. Não entendo como pode não entender as minhas intenções que, mesmo sendo sujas, são puras. Puras como fenômenos destruidores da nossa natureza.
Ah! Eu gosto da música. Gosto desse moço que canta. Tem uma voz gostosa e assustadoramente forte apesar de suave. E o sotaque? Claro, o sotaque! Trago à minha mão esquerda outro sotaque entrelaçado em meus dedos. Um sotaque que não é nem lá, nem cá. Num tom que não posso precisar. Tal como a música, cujo arranjo primeiro era já algo sublime e depois, orquestrado, o arranjo ganhou ares olímpicos. Assim como a música e o lençol, o sotaque andava me mordendo, me causando insônia. Mesmo agora quando penso nele fico mais acordado. A água que prepara a língua para um bom vinho, ou para um simples cafezinho. Todo requinte é pouco para este desejo canhoto.
Antes do encontro com ela a música parece que diminui seu volume. Para cada pequeno detalhe de mim há uma atenção maior. É quase um ritual que perpassa os atos que pareceriam mais corriqueiros como a escolha da roupa de baixo a ser usada. O barbear-se. Lavar os cabelos. O perfume é bom, mas deixa, quando aplicado ao pescoço, um gosto ruim para quem ataca aquela região com lábios dentes línguas desejos. Então desisto do perfume quando penso nessa possibilidade. A música ideal para o jantar é difícil precisar, mas essa que não sai da minha cabeça não poderia ser. Esta só tem a finalidade de me acalmar e me irritar, dependendo da hora do dia em que ela me assalta com mais violência.
Gosto do gosto frio da água da pia em minhas mãos pela manhã. Elas me trazem uma sensação de vivacidade. É um prazer que descobri numa época mais remota e muito menos feliz de minha vida, embora eu não soubesse que podia ser muito mais feliz do que fui naquele preciso momento. Gosto ainda de sentir este gosto ao som da música. Ah! Adoro música pela manhã.
Respiro fundo e quase me chega aquele cheiro quente do teu pescoço do teu ombro. O meu reino por um beijo em teu ombro enquanto, distraída, você prefere olhar pela janela do ônibus. A música quase me some dos ouvidos, o desejo aumenta muito. A música fica tão baixa que penso que ela finalmente me deixará. O silêncio da madrugada surge e quando o teu cheiro não me vem, o medo toma o seu lugar. Tenho medo de noite. Não do escuro, mas do Escuro. Quando esse medo me assola a música é só o que me resta. E quando nem ela me socorre, preciso levantar. Preciso ir até a sala. Ver televisão, afastar-me de mim para não pensar no Escuro. Não posso dormir sozinho.
Mais um dia, mais trabalho e os dias transcorrem, a torneira pinga. Preciso banhar-me. Sinto-me mal. Um banho organiza os pensamentos que não consigo por em ordem para escrever. Anestesia alguns locais. As lágrimas se dissolvem na água da chuva como ela dissolve as minhas intenções tão puras. Saio do banho. O frio que me aguarda do lado de fora do banheiro me faz sentir novamente a realidade. Finco o pé descalço no chão e sinto o frio. A televisão me aguarda sem graça. O computador encerra conversas sem graça. As fotografias dela nos condenam a sorrir eternamente. Lembro-me que naquele preciso dia bebi com as mãos da água da manhã ao som da música.
No dia seguinte um telefonema. A música quase desaparece. A voz dela ocupa o espaço. Avenida Paulista às 14:00 horas. No centro do mundo que o é só porque nos contém, os desejos ficarão por satisfazer. A noite, por dormir. Mas a música, a música se ouvirá pela manhã.


(biel)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

a quinta espera

eu não esperava que viesses
e não viestes

e ainda me surpreendi
porque não viestes

(biel)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

café da manhã

a água é fria, mesmo numa manhã de sol
não deu tempo que se aquecer nas caixas d'água sobre as lages de um bairro pobre
ainda há resquícios do frio da madugada que o impede de levantar apenas de cuecas

na pia:
dois pratos
duas taças
dois garfos
duas facas
duas tacinhas de sobremesa
duas colheres de sobremesa

nas mãos:
o gosto frio da água
a esponja
o detergente

no peito:
batidas aceleradas

nas costas:
as marcas

na cabeça:
a lembrança

na cama:
ainda o corpo nu estendido no calor dos lençois que o frio da madrugada desta vez não alcançou.

(biel)