domingo, 19 de abril de 2009

Amigos

Nascem e soam. Como não antes houvera som. O som original. Se eles soubessem o que causam... mas há que se esquecer as reticências. São vaguidão e o meu mundo é sólido. Optas-te por não fazer parte dele. Ou melhor: deixas-te de optar. Fosse meu homem e eu te faria minha mulher. Tudo é tão complexo aqui pra ti e pra mim. Parecemos duas mulheres em meio a fluxos de pensamentos em livres associações que não se prendem em lugar algum. Como você a mim. Porque assim se n’algum lugar sei que ainda reside uma parte que, o poeta quer, é ninguém e todo mundo?
Abre-te pra mim, deixa que eu te devore como a uma mulher. Como uma mulher. Porque eu sou mulher demais. Não tentes, antes, saber de si. Grite, me agarre as pernas e me deixe te possuir, te ter pra mim, dentro de mim. Seria tão mais fácil assim. E não queres... eu podia te dar a mão, puxar de volta. Mas não houve nenhuma tentativa. Não foste homem. E eu sou mulher demais. Preciso.
Demorei a nascer. Não tinha pretensão de ser tua. Ainda há qualquer coisa que me some às vezes. Por vezes vacilo. Quase um segundo e vale uma vida. A minha vida. Mas isso não importa. Quero-te no meu pescoço. Faça-me esquecer da vida. Até de ti. Preciso ir. Me deixe te levar onde um futuro nos saberá? Me deixe saber-te meu. Seja meu.
Não há possibilidade de um encontro. É impossível, como eu sou. Conhecer-se é ter o mundo nas mãos. E eu conheço você. Sei o quanto domina, o quanto se apodera de espaços, de ausências. A solidez do seu mundo só me traz um silêncio habilitado, como uma pedra, a romper-me as têmporas. A romper diques. A deixar as águas me invadirem. E liquefazerem os meus olhos diante do vazio eterno da eterna presença sua. Sim, eu sou assim. Na solidão. Choro um pouco mais ao constatar esse fato. E de fato choro. Mas num momento seguinte lembro da minha posição. Saio à rua e me livro de mim. Vou à padaria. Compro cigarros. Passo em frente a uma boate que, sei, só abrirá a noite. Na esperança de me lembrar do meu eu original. Só instintos. Assim me sinto mais homem.
Caio em mim antes mesmo de adentrar a minha casa. Quando sei que uma moral que eu não tenho me impede de pagar o amor de uma mulher. Ou mesmo de me apoderar do seu corpo num espasmo, sem pedir permissão. Você sabe mais que ninguém que eu poderia, mas não me tem. São pedaços, inteiros enquanto pedaços, que me fazem ver o seu rosto. E não encontro reflexo desses pedaços neles. Não há espelho, não há simetria. Tampouco proporção. Essa desesperança de encontro me faz mais homem. E eu volto pra te ver. Esqueço tudo um pouco e adentro a minha cama.
Sonhos? Sonhos sonhos são. Mas se você não me ama, porque assim? Porque não há aí a faísca que afogo, que abafo e me ferve a fogo baixo. Como eu posso romper esses elos que nos são anteriores? Quero sair daqui, ser salvo não é uma opção. Não preciso de Virgílios ou Beatrizes. Um Sancho me teria mais cuidado. Saber-se-ia mais importante. Não cabe aqui um contorno a essa situação. Sim, eu sou homem e, portanto, impossivelmente eu diria: eu amo você. Eu sou impossível. Não me realizo. Se há portas a serem abertas, quero ter a chave e não ter que pedir ao zelador para abri-las para mim. Não cabe a você essa tarefa. Na manhã seguinte a raiva devora o meu café. Mastigo tudo com força, lhe tendo quase ódio. Saio decidido. Mas sei que no caminho me aguarda o silêncio do seu sorriso quase maligno.
Se não me faltasse esse sentimento. São só palavras no fim, não são? Ah, os poetas. Não sou poeta, nem poetisa. Sou mulher. Mais que nunca. Sou poesia.
A poesia não se apreende. Não se prende. Não se nomeia. Não sou poeta. Sou um amante.


(biel)

2 comentários:

Danilo disse...

Ung! - incapaz de dizer qualquer coisa, maravilhado, só posso ganir.

Elfa disse...

Depois de tudo, ler esse seu texto só me faz pensar que mesmo a vida que fracassa pode vigorar...
Vigora em arte!