quinta-feira, 30 de outubro de 2008

todo rio segue pro mar

Eu tenho que ir como quem parte um prato, mas não posso. Tenho que ir, mas não quero. O amor fica pra trás como ficam mais adiante as águas turvas do rio turbulento e esmorenado pelo barro deslizante desencarnado da pedra. Ainda me souberam umas despedidas, mas não a desejada.
E o rio me levou.
No desaguar do rio manso, mas persistente, suaram as lágrimas o sal do mar instável como meu rosto no espelho. Eu buscava amor e te encontrei sem saber que achara. Foi então passeando na lagoa que se liquefez um sorriso seu, em águas musgolentas refletoras de uma lua sem tamanho ou forma diante da chuva que caía num mendigo sob o céu descoberto.
Tudo ganhara nova significação. Eu e água. Eu e noiva. Uma pavão fêmea que buscava algo, mas que jamais poderia ter. Em mim não sobrava ave, nem no canto, nem no vôo. Mas como não poderia deixar de ser, houve verde e esperança.
No calar do dia, como claro que não podia deixar de ser ao som dos trovões e da chuva tonta que esbarrava para morrer na janela dos meus sonhos, foi que um segundo ou menos, ou quase isso, as cobras me teriam inveja diante do envolver-se em doce veneno que fora teu hálito penetrando minhas narinas e conjugando a respiração num algo que precipitadamente pensei antes fosse um beijo.
E fora ali, uma nuvem no céu escuro da noite refletindo a luz colorida de alguma boate, que, se perdi algo antes do meu nascimento e passei a vida toda procurando, eu achei. Depois do espanto dos seus olhos, o desvencilhar-se do meu corpo como um quase nojo se não fora antes mais que espanto, não sobrara muitas opções. As ruas estreitaram-se, as portas se fecharam, os barcos naufragaram, mas o meu rio não secou. Mergulhei como quem queria pedras nos bolsos, mas me desnudei antes.
Na noite virada o ano começa diferente. O ano não, mas um ciclo onde a estação já não é mais a dela. Onde os ventos já não são o halo que eu aspirava diante da hipótese da companhia. Aqui e agora não nasço. Também não posso (morrer ainda). Não enquanto ainda for viva essa espera. Eu: um pobre pato feio afogado na lagoa, aquela mesma da lua dos seus olhos a sorrir em plena chuva noturna. Num desespero derradeiro que se formou desde a minha partida precisa busco um retorno no resgate do apartado coração agora pertencente à selva dos dias sem fim de ilhas remotas cravadas em anormais arranha-céus onde não chove mais. E um dia ainda há de atravessar minha janela, aberta desta vez, um outro rouxinol a vir se perder entre meus espinhos.


(biel)

3 comentários:

Danilo disse...

Filho da puta! Doeu pra caralho!

Elfa disse...

Aiiiiiii, vc colocou aqui?
Que emoção!!!

Elfa disse...

Viado, é muito bonito!