segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

do desejo

uma sombra de desejo o assombrou! não queria mas por aquele segundo só, como um pit-bull olha o bebê rosado a engatinhar na grama, ele a devorou. seus olhos esverdearam, perdendo o castanho pela cor da espera. um verde vivo e denso como o sangue da virgem em núpcia!
lambia a saliva e sentia-a escorrer garganta a dentro. já era de longa data que a conhecia, mas nunca como agora a desejaria. com completa devoção e voracidade e ferocidade e, mais que tudo, tatilmente.
a escorrer na pele aqueles suaves pêlos redesenhados pela mão e uma convulsão estreita nas coxas a sonhar.
cada pedaço era um encaixe, como se antes fora um pedaço seu próprio e, desmembrado, agora pedia reeencontro. e ela o teria. não demoraria.

(biel)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

versos pra Tata - antes de saber seu nome ou seu apelido

vos peço um minuto
da vossa atenção
pois eu juro que
bem no coração

de São Paulo está
a Paulista, não?
mas e da Paulista,
onde o coração?

está no Conjunto
Nacional, dirão!
pois e do Conjunto,
onde o coração?

ora, na Cultura,
com toda razão,
mas e da Cultura,
onde o coração?

aí eu vos digo,
se dais permissão,
é nela morena,
mais linda, mais tão...

mas mais linda mesmo
mais ainda é sua mão
embrulhando livros
e o meu coração

e embrulhando o mundo
num abraço irmão
de proteger tudo
do perverso Não

gosto mais gostoso
que estar no torrão
e que estar no colo
em meio a trovão

gosto mais gostoso
que uva, que mamão
gosto não de fruta:
de abismo, de vão

sorriso mais lindo
que flor de porção
mais linda do que
bola de sabão

lindo que parece
mais uma poção
que parece nuvem
vista do avião

te vi no domingo
e perdi o chão
olhe que eu não minto
é vero, é verão!

(Gu)

dedicatória para MINHA aluninha

(com lágrimas e saudades)

Para a minha querida e muito amada
Aninha, com carinho e alvorada

Para que a estrelinha da poesia
Brilhe sempre mais lindo em sua vida

Para que não se esqueça de sorrir
E nem do seu professor eterno aqui!

Para que esse Brasil e o mundo inteiro
Conheçam Ana Luísa Carneiro

(Gu)

destino

Destruíra há muito aquela imagem na moldura, mas não podia esquecê-la jamais. A vontade de esquecer era já a lembrança de saber a imagem. Mas afinal, o que fazia aquela imagem retida na memória se tantas outras coisas deveriam ser, e de fato eram, mais importantes? Isso ele sabia. Mas porque perder a chance e se questionar. Era hábito já. Sabia q cada situação tinha a sua resolução assim que se impunha, mas gostava de considerar todas as hipóteses. Gostava de achar que tinha escolha. Mas afinal, somos ainda jogos dos deuses? Ou já podemos dizer não? Ou ainda devemos dizer: o que tiver que ser, será? E essas perguntas ele também se fazia. Eram tantas e entre elas, tonto, buscava nela a resposta. E voltar ao princípio. A imagem reaparecia e insistia. Todo pensamento e filosofia, mesmo as mais finas ou as mais botecais não saíam se não da imagem.
Andara por becos, vira flutuar um padreco com uma xícara de chocolate. Vira ciganos, vira assassinatos, e aquilo que parecia um anjo caído retomar e reganhar os céus. Mas nem todas essas lembranças ocupavam tamanho espaço. Naquela moldura estava eternizada, mas não por muito tempo. No exato instante, a pausa, o suspiro e o perfume q fugira da moldura, mas não da lembrança era demasiado insinuante para conter um leve enrijecimento muscular. Agora olhava o espaço na parede, a marca sem pó. Pesava-lhe a falta de reflexo do objeto luminoso. Nas manhãs frias agora pesariam o cinza que não era cor nenhuma. Ou antes, era a ausência dela. E o perfume ameaçara escapar na fatídica fogueira que, depois de despedaçada e esfacelada a moldura, consumiu desejosa a imagem.
Chorou ao sentir arder em si a carne que possuiu na mesma noite com a triste certeza equivocada de liberdade. Disfarçou e se sentiu menor. Saiu à rua. Parou. Bebeu. Não caiu. Voltou. Mais carne. Afogou-se. Voltou. Mas ainda sim amanheceu.


(biel)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

harmonia

a mão no rosto
(o calor do sal molhado)
o pescoço se insinua
ainda mais os seios sob a blusa
adivinhados

mas há que se voltar ao rosto
onde tudo principia
everything under the sun is in tune
mesmo que sequer haja sol
haverá

(biel)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

um pedido

o universo
todo
pode esperar
a manhã
nascer
pra nos ver
cantar
e ferir nossa retina
com o sol
a saciar
sua sede de luz
depois da noite
esfarelada
em estrelas
não vistas

(biel)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

o óbvio

lirismo não é,
mas é uma vontade de se matar.
ou antes,
de mergulhar.

uma sede que bebe
o sangue da gente
ainda quente
e mais vermelho.

a fome que consome
igere o músculo dado em vão
e o sono invindo,
abortado
morre toda noite.

pela manhã
o sol machuca
mas o sereno,
do lado de fora,
queima.

mas é uma vontade boa de se matar
ou antes,
de mergulhar
a noite inteira.

(biel)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

do fim

afinal,
sobraremos só em estória
dos anos, dos livros

mas sobraremos
sobreviveremos
nas estórias das pessoas

e o pó agitar-se-á
assustando os vermes
sempre que elas forem contadas.

(biel)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Do ano novo

"e a certeza
de que o último dia de dezembro
é sempre igual
ao primeiro de janeiro"
(humberto gessinger - "anoiteceu em porto alegre")

Mesmo em nossa cultura, que pede atitudes (às vezes) racionalistas e algo científicas diante dos acontecimentos, inibindo comportamentos próprios de culturas sacralizadas e mágicas, mantivemos o apego a alguns rituais: um deles é a passagem de um ano para outro.
Ao cabo de 12 meses (não em vão 12, número que já simbolizou a totalidade de um ciclo em diversos momentos da nossa história, enquanto o 13 simbolizou a morte e, conseqüentemente, o começo de outro ciclo: 12 apóstolos mais Jesus Cristo, na Santa Ceia, a morte de Filipe da Macedônia depois de ter sua estátua disposta ao lado dos 12 deuses romanos, a carta XIII, conhecida como a morte, embora sem nome, do Tarô de Marselha etc), enfim, ao cabo de 12 meses, comemoramos com o luxo de que dispomos o reinício.
Celebramos o novo. O novo é freqüentemente celebrado em nossa cultura: sempre o novo produto, o novo programa, o novo livro (no mínimo, a nova edição), o novo cd etc. Mas, no Réveillon, celebramos o novo de dentro, como se fôssemos ou pudéssemos mudar, após os 12 meses, radicalmente nossas vidas.
Curioso, pra além de saber se mudamos de fato ou não, é que encontramos força pra mudar apenas no que já existe de mais sólido, consistente e antigo.
Passamos a noite do dia 31, em geral, com as pessoas que mais próximas da gente estiveram durante os 12 meses, com as pessoas que conhecemos, às vezes, desde que nascemos, não com pessoas novas.
Passamos a noite, em geral, num ambiente que já conhecemos de longa data. Não raro, a nossa própria casa. Às vezes, numa casa de praia já conhecida, às vezes, numa cidade praiana e numa praia já conhecidas.
Mais que tudo, é raro, no ano, a passagem de um dia para outro tão sem ruptura quanto a do dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro. Comumente, dormimos cansados e despertamos mais dispostos, revigorados. Dormimos com um humor, colorido pelo que aconteceu durante o dia, e acordamos com outro, colorido pelos sonhos ou sei lá pelo que (mas é estranho como a gente acorda diferente!). Porém, no Réveillon, a festa do dia 31 é a mesma do dia 1º, a festa que encerra um ano é a mesma que inicia outro ano.
Apenas com esta sensação de que nada mudou, de que tudo continua extamente igual, mesmo que os astros e a cronologia digam o contrário, é que reunimos coragem pra enfrentar a novidade. Na verdade, não me parece simples assim deparar com o novo, mesmo quando ele é verdadeiramente desejado. Em razão deste ano mal ter começado pra mim, em razão de ele ter sido mera prolongação dolorida do ano retrasado, eu desejei muito o fim dele. Nem por isso, é sem dor e sem pavor que me despeço dele. E não creio ser sem dor nem sem pavor que a gente solte fogos de artifício (aliás, sempre os mesmos fogos de artifícios), que a gente beba sorrindo o champgne, que a gente cante a sempre mesma música, que a gente grite a mesma contagem regressiva.

(Gu)